Professor por vocação

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Nós...

terça-feira, 29 de junho de 2010

Gonçalves de Magalhães

Poeta e dramaturgo fluminense
Gonçalves de Magalhães

13/08/1811, Rio de Janeiro (RJ)
10/06/1882, Roma, Itália

Gonçalves de Magalhães é autor do poema épico indianista "A Confederação dos Tamoios"
Domingos José Gonçalves de Magalhães, Visconde de Araguaia, era filho de Pedro Gonçalves de Magalhães Chaves. Formou-se em Medicina, em 1832. Também estudou filosofia com o orador religioso Monte Alverne, sofrendo a sua influência.

Em 1832 publicou "Poesias" e, no ano seguinte, foi para a Europa aperfeiçoar-se em medicina. Em 1836, lançou, em Paris, um manifesto do Romantismo: "Discurso sobre a Literatura no Brasil". Em parceria com Araújo Porto-Alegre e Torres Homem, lançou "Niterói, Revista Brasiliense". No mesmo ano, editou, também em Paris, "Suspiros Poéticos e Saudades", considerado o livro que deu início ao Romantismo no Brasil.

No prefácio desse livro, Magalhães expõe os tópicos fundamentais do Romantismo, em sua primeira fase: religião, individualismo, sentimentalismo, patriotismo, liberdade de expressão, senso da história e evocação da infância.

De retorno ao Brasil em 1837, foi aclamado chefe da "nova escola". Segundo Antonio Candido, durante uns dez anos, Magalhães foi "a" literatura brasileira. Levou a sério sua função de criar uma nova literatura do país recém-independente. Quis, portanto, reformar a poesia lírica e a epopéia; e dotar a literatura brasileira de teatro, romance, ensaio crítico, histórico e filosófico.

Além das obras de poesias acima mencionadas, escreveu: "A Confederação dos Tamoios" (1858), "Os Mistérios" (1858), "Urânia" (1861), "Cânticos Fúnebres" (1864). Foi autor de duas tragédias, "Antônio José" (1838) e "Olgiato" (1839); dos ensaios de "Opúsculos Históricos e Literários" (1865); e das obras de filosofia: "Fatos do Espírito Humano" (1858), "A Alma e o Cérebro" (1876) e "Comentários e Pensamentos" (1880).

Foi ainda secretário do Duque de Caxias, no Maranhão e no Rio Grande do Sul. Em 1847, entrou para a diplomacia, foi Ministro, em missão especial, no Paraguai, e depois, na Áustria, nos Estados Unidos, Argentina e Santa Sé. Exerceu ainda o cargo de Encarregado de Negócios no reino das Duas Sicílias, no Piemonte, na Rússia e na Espanha.

O poema "A Confederação dos Tamoios" causou grande polêmica, devido ao seu caráter paradoxal, que celebra ao mesmo tempo o índio e o catequizador num poema épico, que deveria, por suas próprias características, ter apenas um ponto de vista. Assim, foi atacado por muitos escritores, entre os quais um nome de peso como José de Alencar. Por outro lado, defenderam-no, entre outros, Monte Alverne e o próprio imperador Pedro 2o, seu amigo.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Identidade para gatos pardos _ Adílson Vilaça - Sinopse

Sinopse
Os contos reunidos em Identidade para os gatos pardos nasceram sem máscaras. São impressões digitais que conhecemos: ignorância, miséria, desemprego ou subemprego, alcoolismo, preconceito... Contra as quais nada ou pouquíssimo tem sido feito para debelá-las. São contos de sopro étnico, ambientados no solo social do Espírito Santo, no Brasil; por vez, um e outro, há o conto que floresce em chão de mapa fictício, mas em território inventado à imagem e semelhança da topografia emocional capixaba. O tema central - um mergulho na grande noite que circunda nossa gente afro-brasileira - carrega em suas tramas o subtema da violência. Mas não é recomendável que se os tema; é recomendável que o leitor tenha a constância de encará-los, tão longamente quanto possa suportar olhar de frente a dor ancestral impressa na identidade de alguns personagens. Quem são eles? São uma gente cotidiana, e gente brasileira que tem a especificidade de descender de escravos. Assim é que são os personagens destes contos, viajantes em uma terra que teima em lhes ser forasteira. Uma terra povoada de fronteiras, e que persevera, na multidão de suas guaritas, em revirar a bagagem nômade ou de endereço mal-afamado dessa gente que a perpassa. A revista quase sempre flagra tal bando de personagens viciado no contrabando de velhas mercadorias - sonho, pesadelo; desespero; miséria, sucesso; riso, lágrima; e tantos outros pares de conforto e desconforto que marcam a existência humana. E são esses os elementos dramáticos que vivem nos contos. Muita vez, convém advertir, como são contos sem máscara, eles se aventuram na denúncia explícita do choque, ataque e revanche, que embala as relações humanas no Brasil. Enfim, o conteúdo paira no plano em que se configuram engenho, senzala e arte.Assim é o livro. E que nunca seja panfleto, porém literatura que tenha modos de documentar, de enternecer, de arrepiar. Que dê identidade à nossa alma de gatos pardos.

Transpaixão _ A desnudada poesia

A desbundada poesia erótico-mística de Waldo Motta
Erly Vieira Jr
Waldo Motta

Erly Vieira Jr · Vitória, ES
2/11/2006 · 111 · 7


Era 1994, eu tinha dezessete anos, havia acabado de entrar pra faculdade e começava a freqüentar o meio cultural capixaba. Naquele tempo, a Fafi era o “point intelectual” de Vitória e Waldo Motta ainda grafava seu nome como “Valdo Motta”, mas eu nunca tinha ouvido falar dele antes. Em algum daqueles happy hours culturais, bastante comuns nos saudosos anos 90, alguns poetas locais realizaram um recital no anfiteatro da Fafi, por ocasião do encerramento de uma oficina que o Chacal tinha realizado na cidade poucos dias antes. Um deles, baixinho, magrinho e com cara de poucos amigos, pegou o microfone, e se apresentou: “Meu nome é Edi-valdo Motta. Edi, pra quem não sabe, em gíria gay, significa”... e lá foi ele explicar pra platéia que edi era um singelo sinônimo para o impronunciável e familiar orifício anal.

Na mesa em que eu estava, todo mundo já alto por conta de horas de bebedeira, não teve um que não caiu na gargalhada. Aí ele começou: “No cu/ de Exu/ a luz.” Risinhos por toda a platéia. “Pronto, a bicha endoidou!”, foi o que eu pensei. Ainda mais depois que ele encarnou o pastor evangélico, para entoar um texto de nome “Encantamento”: “Ó Deus serpentecostal/ que habitai os montes gêmeos,/ e fizestes do meu cu/ o trono do vosso reino,/ santo, santo, santo espírito/ que, em amor, nos forjais,/ felai-me com vossas línguas,/ atiçai-me o vosso fogo,/ daí-me as graças do gozo/ das delícias que guardais/ no paraíso do corpo”.

E aí o risinho do começo da apresentação foi se tornando cada vez mais amarelo. E todo mundo foi percebendo que o negócio ali era seríssimo. “A poesia é a minha /sacrossanta escritura,/ cruzada evangélica/ que deflagro deste púlpito./ Só ela me salvará da guela do abismo./ Já não digo como ponte/ que me religue/ a algum distante céu,/ mas como pinguela mesmo,/ elo entre alheios eus”, dizia um poema de nome “Religião”. Pronto. Antes do recital terminar, eu já havia me tornado admirador incondicional do cara. Meses depois, matriculei-me numa de suas oficinas literárias. Foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Das Oficinas Poiesis, ainda iriam surgir alguns dos nomes mais barulhentos da geração de poetas capixabas nos anos 90 e 00, mas isso já é outra história.

Até porque a história que quero contar aqui é a de Waldo Motta (nascido em 1959 na cidadezinha de Boa Esperança, situada no norte do Espírito Santo), cuja poesia situa-se no cruzamento entre o homoerotismo e uma leitura das Sagradas Escrituras, de uma maneira tão revolucionária e estarrecedora que proporcionou ao escritor muito mais barulho que qualquer poeta local fez no cenário nacional. E isso sem precisar de sair da ilha para poder ter algum reconhecimento nacional (condição que, infelizmente, ainda hoje é meio que regra para quem quer tentar uma carreira iniciada nas capitais fora do eixo hegemônico deste país).

E é Waldo que nos apresenta sua tão peculiar visão do cruzamento entre sagrado e erotismo na poesia, como podemos confirmar no prefácio de sua coletânea Transpaixão, publicada em 1999:

“Mas a doutrina que prego não é invenção, é uma descoberta: acredito piamente que encontrei a palavra perdida, secreta, impronunciável, e que nada me impede de anunciá-la, e nem a ninguém, apesar de Borges e do Imperador Amarelo. (...) Fodam-se todos: o sagrado é o sacro, e o grande segredo é que em nosso rabo está o Santo dos santos, o Céu dos céus. Por conseguinte, a solução de todos os problemas. E o povo brasileiro, com seus 200 e tantos sinônimos de bunda, parece intuir esta verdade maior.”

Isso já dá uma boa idéia do que o leitor pode esperar de cada um dos livros de Waldo. Ele afirma ser a sua poesia um “drama espiritual”, uma reflexão existencial, fruto de um processo de auto-conhecimento e maturidade. Essa trajetória se inicia em 1981, ainda no norte do Espírito Santo, com a publicação de quatro livros em tiragens independente, de poesia desbocada, recheada de gírias e episódios afrontosa e assumidamente gays, em franca consonância com o escracho da poesia marginal setentista — esses trabalhos seriam reunidos na coletânea Eis o homem, publicada pela FCAA/Ufes em 1987, numa espécie de balanço dessa primeira fase da carreira.

Poiezen, publicado pela Massao Ohno três anos depois, já aponta uma série de reflexões metapoéticas que, junto a Waw (palavra hebraica que significa ponte, travessia), marcariam uma transição para a epifania erótico-mística de Bundo, livro de 1995 que revelou Waldo (na época ainda grafado com “V”) no cenário nacional. A publicação de Bundo e outros poemas (reunindo os então inéditos Waw e Bundo), pela Editora da Unicamp, em 1996, logo atraiu os olhares de diversos figurões das letras brasileiras para a irreverência solene do poeta capixaba.

Isso é o que podemos comprovar neste depoimento Waldo, que transcrevo da gravação que fiz de sua recente participação numa mesa-redonda sobre poesia, realizada em Vitória, no Centro Cultural Up:

“Sempre fui considerado um poeta indecente, obsceno. Isto porque eu sempre misturei baixo calão com alto calão. Palavras difíceis, eruditas com palavras sujas, enlameadas, gosmentas. E não só por esta mistura de registros, também pela temática. Eu sempre me assumi como homossexual, não é uma palavra da qual eu goste, mas não tenho outra. E sempre fui muito místico. Logo, nas minhas pesquisas, estudos, aquilo que para muita gente não tem nada a ver eu descobri que tem muito a ver. Sexualidade com religião.. O mais chocante de tudo é que nas minhas pesquisas quanto mais eu procuro Deus, o sagrado, eu sempre acabo chegando aos 'países baixos', a uma geografia muito interessante do corpo humano. (...) Desde o início da história humana, existem tabus. E o que eu descobri nas minhas pesquisas e que reflete na minha poesia, é que a sexualidade é tanto a perdição quanto a salvação da humanidade”.

Apesar de recusar o rótulo de “autor gay” que a então dominante tendência dos “estudos culturais” tentou lhe conceder na década de 90, Waldo foi tema de artigos, resenhas e textos diversos de Iumna Simon, João Silvério Trevisan, Célia Pedrosa, José Celso Martinez Corrêa e Ítalo Moriconi, entre outros. Sem contar que foi incluído pela Heloísa Buarque de Holanda na antologia Esses poetas (1998), que reunia a nata da geração 90 da poesia brasileira.

Waldo ainda participou de programas como o Writer-in-residence, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, além da bolsa concedida pelo Departamento de Cultura de Munique, em 2001, que lhe permitiu concluir o poema anagramático Recanto, que se tornou sua mais recente publicação, em 2002.

E qual seria a receita para a poesia de Waldo? Para ele, a poesia tem que fazer jus à origem do termo (do grego poiesis) — descoberta, invenção, criação de realidades através do verbo: “Mas também descoberta de realidades e mundos ignorados, outras Américas e terras prometidas”, complementa, explicando que, para obter tais resultados, ele faz uso de recursos pouco usuais como interpretação de sonhos, numerologia, cabala, anagrama, estudos etimológicos de línguas como o hebraico, o yorubá e o tupi-guarani, além, é claro, dos textos sagrados oriundos de diversas tradições místico-religiosas. A isso, Waldo dá o nome de “método paraclético”, um método apocalíptico, escatológico, que pretende discutir exatamente o “fim das coisas”. Afinal, poesia, para ele é também vaticínio, profecia, sendo o poeta, dessa forma, a “antena da raça” de que tanto falava Ezra Pound.

Além de Pound, Waldo também me faz lembrar um outro nome fundamental do século XX: Jean Genet. Não só pela proximidade com uma certa marginalidade, mas também por uma opção extremamente sincera por viver de literatura (e Waldo leva isso tão ao pé da letra, ao ponto de residir, até o final da década de 90, num minúsculo porão no centro de Vitória, rodeado de livros e escritos, exatamente o período em que sua literatura mais freqüentou os cadernos culturais dos principais jornais de circulação nacional). No prefácio de Bundo, Waldo escreve:

“Minha poesia é uma síntese de meu projeto de vida, uma aventura em busca da Verdade, intuída como a ciência da restauração da condição divina (...). Não quero apenas escrever, mas também ser o que escrevo. Daí o entusiasmo e o tom solene, porque é algo sério; daí o caráter pregacional, mesmo que o meu discurso esteja ainda em construção.”

É ainda nesse texto que ele afirma propor em Bundo o cruzamento entre o “amor que não diz seu nome” e o “nome impronunciável” ou “palavra secreta”, tão presente nos textos esotéricos e freqüentemente associada à poesia. Uma mistura explosiva, não? “Eu quero ser lido, entendido, debatido, assimilado, apedrejado, amado, babado, beijado por todo mundo. Mas não posso negar que sou perverso, perversejador. Eu sou perigo, sou um grande problema. Porque sou muito radical em tudo que faço. Arte, poesia é uma questão para mim de vida e morte”, afirma o escritor.
Para Waldo, a salvação não deixa de ser “uma senda erótica”, como comprovam versos como os do poema “As brincadeiras sérias”: “Só pode amar quem moeu/ seu eu na amorosa mó,/ e desse pó renasceu”. Convenhamos: afirmar isso, numa época em que boa parte da literatura brasileira tem tão pouco a dizer, já é mais do que suficiente para iniciar um grande debate, não acham?

Novas listas de obras pedidas em Universidades - Vestibular 2010 / 2012

Lista de Livros do vestibular

Esta seção apresenta a lista de livros, contos e filmes (DVDs) recomendados para diversos vestibulares. Consulte sempre o edital do concurso vestibular da sua faculdade para certificar-se da lista de obras.
Vestibular Julho 2010 - Vestibular de Inverno

» UFMG

- O Desertor - Silvia Alvarenga
- A Carteira de Meu Tio - Joaquim Manuel de Macedo
- Contos de Aprendiz - Carlos Drummond de Andrade
- A Estrela Sobe - Marques Rebelo
- O Homem e sua hora- Mário Faustino
» UFES

- O navio negreiro - Castro Alves
- Romanceiro da Inconfidência - Cecília Meireles
- Poesias de Álvaro Campo - Fernando Pessoa
- Vidas Secas - Graciliano Ramos
- Os ratos - Dyonélio Machado
- Ensaio sobre a cegueira - José Saramago
- Boca do inferno - Ana Miranda
- Transpaixão - Waldo Motta
- Identidade para os gatos pardos - Adilson Vilaça


» UFOP

1) MACHADO, Dyonelio. Os ratos. São Paulo: Planeta do Brasil, 2004.
2) MEIRELES, Cecília. Solombra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
3) PENA, Martins. Os dous ou O Inglês maquinista. São Paulo: Civilização Brasileira, 2000.

» UFJF (Vestibular)

•Helena - Machado de Assis
• Lira dos Vinte Anos - Álvares de Azevedo
• Antologia de Crônicas - Org. Herberto Sales
• O menino do engenho - José Lins do Rego
• Antologia de Contos Brasileiros - Org. Herberto Sales
• Sentimento do mundo - Carlos Drummond de Andrade
• Civilização e Singularidades de uma rapariga loira (contos) - Eça de Queirós
• Incidente em Antares - Érico Veríssimo
• Literatura de Dois Gumes (ensaio) - Antônio Cândido
• O conto da Ilha Desconhecida - José Saramago
• Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto


PISM

Módulo I do triênio 2010 -2012
_ Sonetos líricos e satíricos: Gregório de Matos
a) À Cidade da Bahia
b) Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia
c) Contemplando nas cousas do mundo desde o seu retiro, lhe retira com o seu apage, como quem a nado escapou da tormenta
d) Queixa-se o poeta da plebe ignorante e perseguidora das virtudes
e) Aos principais da Bahia chamados os Caramurus
f) A certa personagem desvanecida
g) Pondera agora com mais atenção a formosura de D.Ângela
h) Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e
temendo perder por ousado
i) Pergunta-se neste problema qual é o maior, se o bem perdido na posse, ou o
que se perde antes de se lograr? Defende o bem já possuído
j) Namorado, o poeta fala com um arroio
k) A um penhasco vertendo água
l) Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem
- Cartas Chilenas – Banquete do Palácio – Tomás Antônio Gonzaga
- Memórias de um Sargento de Milícias – Manoel Antônio de Almeida
- Capitães da Areia – Jorge Amado



Módulo II do triênio 2009 -2011
1 - Camões:
a) Amor é fogo que arde sem se ver
b) O dia em que eu nasci moura e pereça
c) Eu cantarei de amor tão docemente
d) Quem diz que Amor é falso ou enganoso
e) Tanto de meu estado me acho incerto
f) Erros meus, má fortuna, amor ardente
g) Enquanto quis Fortuna que tivesse
2 – Bocage:
Lírico:
a) Chorosos versos meus desencontrados
b) Incultas produções da mocidade
c) Fiei-me nos sorrisos da ventura
d) Camões, grande Camões, quão semelhante
e) A frouxidão no amor é uma ofensa
f) Já Bocage não sou... À cova escura
g) Meu ser evaporei na lida insana
Satírico
a) Nariz, nariz e nariz
b) Magro, de olhos azuis, carão moreno
c) Lá quando em mim perder a humanidade

3. I- Juca Pirama - Gonçalves Dias
4. Navio Negreiro e Adormecida - Castro Alves
5. O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
6. Contos: À procura de uma dignidade e Feliz Aniversário – Clarice Lispector



Módulo III – do triênio 2008 - 2010
• Incidente em Antares - Érico Veríssimo
• Literatura de Dois Gumes (ensaio) - Antônio Cândido
• O conto da Ilha Desconhecida - José Saramago
• Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto
» Unimontes

“Solombra”, de Cecília Meireles;
“Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues;
“Mar Morto”, de Jorge Amado;
“Dois Irmãos”, de Milton Hatoum;
“Parangolivro”, de Aroldo Pereira
Vestibular 2011

PAES - 1ª ETAPA
* Sermões Escolhidos, de Padre Antônio Vieira
* Sermão sobre os peixes; Sermão do bom ladrão
* Poemas Escolhidos, de Cláudio Manoel da Costa.
* Romances de Cordel, de Ferreira Gullar
* O santo e a porca, de Ariano Suassuna.

PAES - 2ª ETAPA
* Melhores Poemas, de Gonçalves Dias
* Casa Velha, de Machado de Assis
* Crônicas Selecionadas, de Machado de Assis
* Dias e Dias, de Ana Miranda


FUVEST

- Auto da barca do inferno - Gil Vicente;
- Memórias de um sargento de Milícias
- Manuel Antônio de Almeida;
- Iracema - José de Alencar;
- Dom Casmurro - Machado de Assis;
- O Cortiço - Aluísio Azevedo;
- A cidade e as serras - Eça de Queirós;
- Vidas secas - Graciliano Ramos;
- Capitães da areia - Jorge Amado;
- Antologia poética (com base na 2ª ed. aumentada) - Vinícius de Moraes.



» Unicamp

- Auto da barca do inferno - Gil Vicente;
- Memórias de um sargento de Milícias
- Manuel Antônio de Almeida;
- Iracema - José de Alencar;
- Dom Casmurro - Machado de Assis;
- O Cortiço - Aluísio Azevedo;
- A cidade e as serras - Eça de Queirós;
- Vidas secas - Graciliano Ramos;
- Capitães da areia - Jorge Amado;
- Antologia poética (com base na 2ª ed. aumentada) - Vinícius de Moraes.



» PUC-SP

- Antologia poética - Vinicius de Moraes
- Capitães de Areia - Jorge Amado
- Dom Casmurro - Machado de Assis
- O cortiço - Aluísio de Azevedo
- Vidas secas - Graciliano Ramos
UEMG

- Melhores Poemas (seleção Global Editora) - Mário Quintana
- Contos de Aprendiz - Carlos Drummond de Andrade



» UEMG

1ª etapa
- O Velho da horta - Gil Vicente
- Sátira - Gregório de Matos Guerra
- Neo classicismo/Arcadismo - Cláudio Manuel da Costa e Bocage
- Classicismo - Luiz de Camões
- Barroco - Gregório de Matos Guerra

2ª etapa
- Romantismo - Álvares de Azevedo e Castro Alves
- Parnasianismo - Olavo Bilac
- Realismo - Cesário Verde
- Frei Luis de Sousa - Almeida Garret
- A escrava Isaura - Bernador de Guimarães
- Contos - Machado de Assis (Capítulo do chapéus, D. Paula e Uma Senhora)
- Contos - Eça de Queirós (No moinho)
- Contos Amazônicos - Inglês de Souza (O Rebelde)

3ª etapa
- Simbolismo - Alphonsus de Guimaraens e Camilo Pessanha
- Modernismo - Manuel Bandeira, Mário Faustino
- Fernando Pessoa (heterônimo: Ricardo Reis)
- Novos Contos da Montanha - Miguel Torga (Natal, A confissão, O Lopo)
- Vestido de noiva - Nelson Rodrigues
- Vidas Secas - Graciliano Ramos

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Resumo de Contos de Machado de Assis

A Cartomante Narra a história de Camilo, Vilela e Rita. Os dois primeiros eram melhores amigos; a segunda era esposa do segundo e amante do primeiro. Quando Camilo começa receber denúncias anônimas, diminui a freqüência das visitas ao amigo. Preocupada, Rita visita uma cartomante, fato que faz Camilo rir. Quando Vilela chama Camilo a sua casa ele vai preocupado, e passa antes na cartomante pensando que não tem nada a perder. Ela lhe assegura que nada vai dar errado e ele chega despreocupado a casa de Vilela, onde encontra Rita morta. Vilela então o mata. A Causa Secreta Fala de dois homens que, após um salvar a vida do outro e passar-se algum tempo, tornam-se sócios. Mas pouco a pouco um deles vai demonstrando tendências sádicas, torturando animais, fato que atordoa a esposa. Quando ela morre, Fortunato, o sádico, presencia o amigo beijar a testa da mulher e derreter-se em choro, saboreando o momento de dor do amigo que lhe traía. A Igreja do Diabo É uma nova idéia do diabo: fundar uma Igreja e organizar seu rebanho, tal qual Deus. Após comunicar Deus de seu futuro ato, vai à Terra e funda com muito sucesso uma Igreja que idolatra os defeitos humanos. Mas aos poucos os homens vão secretamente exercitando virtudes, Furioso, o Diabo vai falar com Deus, que lhe aponta que aquilo faz parte da eterna contradição humana. Anedota Pecuniária É uma pequena crítica a ganância. Nela um homem "vende" suas sobrinhas aos homens que as amam por causa de sua fascinação com o dinheiro.

A Sereníssima República É uma crítica ao processo eleitoral, feito como um discurso de um cônego que afirma ter achado uma espécie de aranha que fala e criado uma sociedade delas, uma república chamada Sereníssima República. Ele escolhe como sistema de eleição um baseado no da República de Veneza, onde retirava-se bolas de um saco com o nome dos eleitos. Este sistema vai sendo fraudado pelas aranhas, corrigindo-se, adaptando-se e variando-se diversas vezes e de diversos modos, eternamente corrupto. Capítulo dos Chapéus É um conto onde aparece a frivolidade e ostentação da época de Machado. Mariana, após pedir ao marido que troque o seu simples chapéu, testemunha a sociedade (na famosa rua do Ouvidor) e acaba pedindo que ele permaneça com seu chapéu. D. Paula Conta sobre um casal que realiza uma separação temporária por ciúmes, com fundos, do marido. O caso é mediado pela tia da esposa, Dona Paula, que quando descobre quem é o outro, fica abalada. É o filho do homem com quem teve caso análogo, fato que deixa seus sentimentos bem abalados em relação ao caso. Fulano Beltrão é um homem que vai aos poucos se tornando mais um homem público que privado após receber elogios públicos e acaba deixando seu dinheiro para a posteridade e não a família. O Espelho Conta sobre um homem falando de sua opinião sobre a alma humana num grupo de amigos que realizam discussões metafísicas. Ele descreve uma situação de sua juventude onde, após ter sido engrandecido pelo recém-conquistado posto de alferes, encontra-se sozinho. Solitário, passa a ter medo até a que um dia veste-se com seu uniforme de alferes e encara o espelho, encontrando assim o outro lado de sua alma (sua opinião é que temos duas almas, uma externa que nos vigia e a nossa que vigia o exterior). Isso retira-o da solidão. Portanto, este conto envidencia o conflito entre a essência (a alma interior) e a aparência (alma exterior). Teoria do Medalhão É um pai aconselhando um filho no dia de seus 21 anos. Ele lhe diz que um futuro lhe espera, que pode ter várias carreiras diferentes, mas que devia ter uma de resguardo, preferencialmente a de medalhão. Para isto devia ter pouquíssimo conhecimento, originalidade, ironia, gosto ou qualquer idéia própria. E nisso disserta sobre a necessidade do filho de sempre manter-se neutro, usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer pouco, ter vocabulário limitado, etc. Ao final, é uma bela ironia machadiana sobre como encontram-se os valores da sociedade de sua época. O Enfermeiro Conta sobre um homem que, a beira da morte, conta um caso de seu passado.
Ele foi em 1860 ser enfermeiro de um velho e mau coronel, que acaba esganando alguns dias antes de partir por não mais o suportar. Quando abre-se o testamento ele é declarado herdeiro universal e distribui lentamente o dinheiro em esmolas. Enquanto isto se passa, vai lentamente se convencendo de sua inocência, apoiado pela sociedade que odiava o velho e suas ações que considera redentoras Pai Contra Mãe Cândido Neves, caçador de escravos fujões. Não o é por opção, apenas o é porque não agüenta qualquer outro emprego. Casa e passa a adquirir dívidas, com clientela cada vez menor; quando engravida a mulher, as dívidas aumentam. Depois de despejados vão morar em um quarto emprestado e o menino nasce. Após ceder às pressões da tia da esposa, Candinho vai por a criança na Roda dos enjeitados. Mas no caminho captura uma escrava, recebendo uma gorda recompensa, mantendo assim a criança. Mas a escrava estava grávida, e provavelmente abortou com os castigos recebidos, ficando a vida do filho de Candinho em troca da de outra Missa do Galo Fala de uma singular conversa entre uma senhora de 30 anos e um jovem 17, que tinha que manter-se acordado para acordar o amigo para irem à missa do galo. Eles conversam, ele apieda-se dela (o marido traía e ela resignava-se), admira-a e distrai-se. Por fim o amigo lhe chama, já que já havia passado da meia-noite e ele nunca mais tem outra conversa profunda com ela.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Versos líricos e satíricos de Gregório de Mattos - Falando a respeito

O comentário abaixo é uma espécie de prefácio de um estudo realizado, que compara a poesia lírica e satírica de Gregório de Matos e o estilo marcante de Tobias Barreto. Ler e análisar, não custam nada, até porque, você deve estar aqui pra isso , mas tenha calma ao tirar suas conclusões. Os textos são apenas como bússolas: mostram para onde devemos ir.


O estudo do tema Os versos satíricos de Gregório de Matos e Tobias Barreto: Uma visão da sátira no Barroco e no Realismo tem como objetivo mostrar a sátira mediante o ponto de vista de Gregório de Matos Guerra e Tobias Barreto, como também as influências sofridas por eles, o foco de suas poesias, quem são os elementos inspiradores deste tipo de verso e mostrar um pouco do percurso da sátira de Roma ao século XIX. Tendo como principais referenciais teóricos A sátira e o engenho, de Adolfo Hansen e Dias e noites de Luiz Antonio Barreto, utilizando o primeiro para fazer um estudo diacrônico da sátira e o segundo como fonte de poesias para fazer uma comparação com versos de Gregório de Matos para verificarmos a existência ou não de similaridade.

OS VERSOS SATÍRICOS DE GREGÓRIO DE MATOS E TOBIAS BARRETO: UMA VISÃO DA SÁTIRA NO BARROCO E NO REALISMO.

Duas escolas distintas, o Barroco e o Realismo estão presentes na obra de Tobias Barreto de Meneses e Gregório de Matos e Guerra sucessivamente. Este, filho da fidalguia portuguesa, aquele filho de um alferes da Vila de Campos em Sergipe. O estudo deste tema Os versos satíricos em Gregório de Matos e Tobias Barreto tem como objetivo analisar a produção literária talhada no Nordeste no período Colonial, em Gregório de Matos, e no Império, por Tobias Barreto, fazendo uma analogia entre os versos para que se perceba até que ponto há uma similaridade e/ou distinção poética entre os dois pólos.

Serão analisados os contextos históricos dos dois momentos, o século XVII que foi marcado pela Escola Literária Barroca e o século XIX com o Realismo-Naturalismo. O estudo será desenvolvido através dos métodos dialético e comparativo, apoiando-se em pesquisa bibliográfica em livros, Internet e periódicos com o propósito de endossar o pensamento de Silvio Romero, quando se refere a Tobias Barreto como sendo o Gregório de Matos pernambucano. Far-se-á também um levantamento das influências intelectuais sofridas pelos dois satíricos e, em seguida, uma conclusão acerca do que foi apresentado.

Este estudo se justifica pelo fato das universidades pública e privada no nosso Estado não valorizarem escritores locais, o que denuncia um certo descaso nesse sentido. No caso de Tobias Barreto não encontramos nenhuma catalogação de monografias e trabalhos científicos no ramo das Letras, sem contar com a dificuldade de se encontrar material acerca deste autor sergipano, Patrono da Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, jurista, filósofo, ensaísta, crítico. Dentre outras funções exercidas ao longo de sua existência, abraça também a causa abolicionista e a Proclamação da República com o seu ideário de liberdade. No outro lado encontramos Gregório de Matos considerado o precursor da literatura extremamente brasileira, com suas críticas ferrenhas à sociedade baiana do século XVII. Portanto, o primeiro passo para a análise dos versos é contextualizarmos historicamente as duas épocas para que entendamos a analogia que será feita adiante.

A estética barroca surge no momento em que a Companhia de Jesus em nome da luta pela Contra-Reforma é favorecida pela unificação da Península Ibérica permanecendo como reduto da cultura medieval, enquanto a Europa vive uma efervescência no campo científico influenciada por Francis Bacon, Galileu, Kepler e Newton. A Espanha foi o principal foco irradiador desse estilo literário. No contexto brasileiro, o Barroco surge concomitantemente com a presença cada vez mais forte do comércio, das modificações que aconteceram no Nordeste por conta das Invasões Holandesas, com o apogeu e o declínio do cultivo da cana-de-açúcar. Nesse frenesi de acontecimentos nasce na Bahia, "o Boca do Inferno" que, após formar-se em Direito na cidade de Coimbra, retorna à cidade natal onde divulga suas sátiras, mas ao chegar no Brasil escreve também a poesia religiosa e a lírica. Durante a época que viveu na Europa sofre a forte influência dos espanhóis Luis de Gôngora e Quevedo. Estes responsáveis pelos dois estilos literários do Barroco, o Cultismo e o Conceptismo respectivamente. Um marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, racionalista utilizando uma retórica aprimorada, é também chamado de Quevedismo. O outro é caracterizado pela linguagem culta chegando a ser extravagante, valorizando o pormenor mediante o jogo de palavras, o Gongorismo. Dentro deste cerne, o homem seiscentista para evadir-se das tensões cultua exageradamente a forma fazendo uso freqüente das figuras de linguagem como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria, fazendo com que a poesia da época fique sobrecarregada de conotação. Evidenciando assim na Europa uma espécie de efervescência literária em torno desta escola surgindo várias denominações, Gongorismo (Espanha), Marinismo (Itália), Eufuísmo (Inglaterra), Preciosismo (França) e Silesianismo (Alemanha).

Já a estética Realista surge em oposição ao Romantismo que até então estava em voga, analisando fortemente o caráter humano e o c
Fonte(s):
http://www.webartigos.com/articles/1746/…

* 6 meses atrás

O Auto da Barca do Inferno - Gil Vicente - Apreciação informal

Antes de mais nada, "auto" é uma designação genérica para peça, pequena representação teatral. Originário na Idade Média, tinha de início caráter religioso; depois tornou-se popular, para distração do povo. Foi Gil Vicente (1465-c. 1537) que introduziu esse tipo de teatro em Portugal.

O "Auto da Barca do Inferno" (c. 1517) representa o juízo final católico de forma satírica e com forte apelo moral. O cenário é uma espécie de porto, onde se encontram duas barcas: uma com destino ao inferno, comandada pelo diabo, e a outra, com destino ao paraíso, comandada por um anjo. Ambos os comandantes aguardam os mortos, que são as almas que seguirão ao paraíso ou ao inferno.

Chegam os mortos
Os mortos começam a chegar. Um fidalgo é o primeiro. Ele representa a nobreza, e é condenado ao inferno por seus pecados, tirania e luxúria. O diabo ordena ao fidalgo que embarque. Este, arrogante, julga-se merecedor do paraíso, pois deixou muita gente rezando por ele. Recusado pelo anjo, encaminha-se, frustrado, para a barca do inferno; mas tenta convencer o diabo a deixá-lo rever sua amada, pois esta "sente muito" sua falta. O diabo destrói seu argumento, afirmando que ela o estava enganando.

Um agiota chega a seguir. Ele também é condenado ao inferno por ganância e avareza. Tenta convencer o anjo a ir para o céu, mas não consegue. Também pede ao diabo que o deixe voltar para pegar a riqueza que acumulou, mas é impedido e acaba na barca do inferno.

O terceiro indivíduo a chegar é o parvo (um tolo, ingênuo). O diabo tenta convencê-lo a entrar na barca do inferno; quando o parvo descobre qual é o destino dela, vai falar com o anjo. Este, agraciando-o por sua humildade, permite-lhe entrar na barca do céu.

O frade e a alcoviteira
A alma seguinte é a de um sapateiro, com todos os seus instrumentos de trabalho. Durante sua vida enganou muitas pessoas, e tenta enganar também o diabo. Como não consegue, recorre ao anjo, que o condena como alguém que roubou do povo.

O frade é o quinto a chegar... com sua amante. Chega cantarolando. Sente-se ofendido quando o diabo o convida a entrar na barca do inferno, pois, sendo representante religioso, crê que teria perdão. Foi, porém, condenado ao inferno por falso moralismo religioso.

Brísida Vaz, feiticeira e alcoviteira, é recebida pelo diabo, que lhe diz que seu o maior bem são "seiscentos virgos postiços". Virgo é hímen, representa a virgindade. Compreendemos que essa mulher prostituiu muitas meninas virgens, e "postiço" nos faz acreditar que enganara seiscentos homens, dizendo que tais meninas eram virgens. Brísida Vaz tenta convencer o anjo a levá-la na barca do céu inutilmente. Ela é condenada por prostituição e feitiçaria.

De judeus e "cristãos novos"
A seguir, é a vez do judeu, que chega acompanhado por um bode. Encaminha-se direto ao diabo, pedindo para embarcar, mas até o diabo recusa-se a levá-lo. Ele tenta subornar o diabo, porém este, com a desculpa de não transportar bodes, o aconselha a procurar outra barca. O judeu fala então com o anjo, porém não consegue aproximar-se dele: é impedido, acusado de não aceitar o cristianismo. Por fim, o diabo aceita levar o judeu e seu bode, mas não dentro de sua barca, e, sim, rebocados.

Tal trecho faz-nos pensar em preconceito antissemita do autor, porém, para entendermos por que Gil Vicente deu tal tratamento a esse personagem, precisamos contextualizar a época em que o auto foi escrito. Durante o reinado de dom Manuel, de 1495-1521, muitos judeus foram expulsos de Portugal, e os que ficaram, tiveram que se converter ao cristianismo, sendo perseguidos e chamados de "cristãos novos". Ou seja, Gil Vicente segue, nesta obra, o espírito da época.

Representantes do judiciário
O corregedor e o procurador, representantes do judiciário, chegam, a seguir, trazendo livros e processos. Quando convidados pelo diabo para embarcarem, começam a tecer suas defesas e encaminham-se ao anjo. Na barca do céu, o anjo os impede de entrar: são condenados à barca do inferno por manipularem a justiça em benefício próprio. Ambos farão companhia à Brísida Vaz, revelando certa familiaridade com a cafetina - o que nos faz crer em trocas de serviços entre eles e ela...

O próximo a chegar é o enforcado, que acredita ter perdão para seus pecados, pois em vida foi julgado e enforcado. Mas também é condenado a ir ao inferno por corrupção.

Por fim, chegam à barca quatro cavaleiros que lutaram e morreram defendendo o cristianismo. Estes são recebidos pelo anjo e perdoados imediatamente.

O bem e o mal
Como você percebeu, todos os personagens que têm como destino o inferno possuem algumas características comuns, chegam trazendo consigo objetos terrenos, representando seu apego à vida; por isso, tentam voltar. E os personagens a quem se oferece o céu são cristãos e puros. Você pode perceber que o mundo aqui ironizado pelo autor é maniqueísta: o bem e o mal, o bom e o ruim são metades de um mundo moral simplificado.

O "Auto da Barca do Inferno" faz parte de uma trilogia (Autos da Barca "da Glória", "do Inferno" e "do Purgatório"). Escrito em versos de sete sílabas poéticas, possui apenas um ato, dividido em várias cenas. A linguagem entre os personagens é coloquial - e é através das falas que podemos classificar a condição social de cada um dos personagens.

Valores de duas épocas
Escrita na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a obra oscila entre os valores morais de duas épocas: ao mesmo tempo que há uma severa crítica à sociedade, típica da Idade Moderna, a obra também está religiosamente voltada para a figura de Deus, o que é uma característica medieval.

A sátira social é implacável e coloca em prática um lema, que é "rindo, corrigem-se os defeitos da sociedade". A obra tem, portanto, valor educativo muito forte. A sátira vicentina serve para nos mostrar, tocando nas feridas sociais de seu tempo, que havia um mundo melhor, em que todos eram melhores. Mas é um mundo perdido, infelizmente. Ou seja, a mensagem final, por trás dos risos, é um tanto pessimista.
*Márcia Lígia Guidin é professora universitária de literatura, autora de "Armário de Vidro - Velhice em Machado de Assis", e dirige a Miró Editorial.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Transpaixão - Waldo Motta - Análise

Transpaixão - Waldo Motta

Olá!

Transpaixão é uma coletânea de poemas selecionados de vários livros. Nas quatro vertentes temáticas (social, existencial, metapoética e erótica) em que a obra se divide, o poeta mostra o seu processo de evolução estética e maturação espiritual. Porém, a maior novidade desta obra, indicada para o Vestibular da UFES 2010-2012, está em fundir homoerotismo e religião.

“No meio do caminho tinha uma pedra” (Drummond). A pedra filosofal, a pedra teosófica, a pedra da igreja apostólica, a pedra de toque, a pedra onde repousou a cabeça de Jacó. Eis aí uma metáfora que percorre milenarmente o universo religioso / místico e cujo significado se revela – simples e claro – no verso místico de Waldo Motta: “No meio do caminho, eis a pedra”.

Waldo lançou recentemente a segunda edição, revista e ampliada, de Transpaixão (edições Kabungo), livro recomendado para o vestivular 2009 da Universidade Federal do Espírito Santo.

Penso que a questão da verdade, esta última das coisas, aquilo que abriria enfim o “pequeno embrulho” do Drummond, foi por demais perseguida pela filosofia nos últimos séculos, tendo como grave certeza a de que os mecanismos da razão humana seriam o principal farol / instrumento dessa busca.

E como tais “verdades” soassem um tanto quanto duvidosas, costurou-se / construiu-se uma personalidade intelectual necessariamente cética e, por conseguinte, distanciada, principalmente no que se refere ao campo do religioso / místico, pois este descreve a verdade como a Verdade; e o campo místico, em particular, a considera como a própria transformação do corpo em divindade. Como se eu dissesse a mim mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, “Conheci a Verdade e a Verdade me libertou”.

Para ficar em um exemplo, apenas, de ceticismo, citemos o catedrático de Oxford, Max Müller, século XIX: “a mitologia é uma aberração mental primitiva, uma enfermidade da linguagem”. Em outras palavras, as palavras de Cristo, o que está encerrado nos Vedas, no Tao, na Torah e tantos outros textos basilares de nossas civilizações não passariam de “aberrações” e “enfermidades”, ou, no máximo, vistos por uma lupa crítica e distanciada.

De forma que a geração de Drummond, um pouco antes e um pouco depois, viu conceber e legitimar uma poesia prosaica, como bem apontado por Orlando Lopes, desprovida de uma cosmovisão mística deliberadamente assumida, como a de Waldo Motta, o que o insere numa corrente milenar de poetas místicos que atravessaram todos os tempos e civilizações.

Em termos de filiação poética, ou corrente poética, a poesia de Waldo está inserida numa linha de leitura / hermenêutica diretamente ligada a dos vates e santos. Nessa lista, inclui-se desde Moisés, Isaías, Ezequiel, e outros tantos profetas / poetas da tradição hebraica, além de São João da Cruz, o pai da poesia espanhola, Santa Teresa D’Ávila, Ângelus Silesius, Kobayashi, Tagore, Rumi, e muitos outros.

Existe uma proximidade geográfica / temporal / literária / poética da poesia de Waldo Motta com a de Drummond, eles estão próximos, é claro, e muitas metáforas de Drummond se penetraram de tal forma nas gerações que o procederam que seria impossível, talvez, fazer qualquer coisa poética no Brasil sem ter se contaminado pelo poeta mineiro. A poesia do Waldo não seria diferente, e ela dialoga sim, diretamente e o tempo todo, com os “modernos”, mas o seu foco último não é dar uma resposta aos “modernos” e prosseguir na agenda moderna. O que Waldo quer é encantar / seduzir o leitor, inclusive os “modernos”, por que não?, para a prática mística, daí a sua filiação ser marcadamente distinta da de Drummond.

A “progressiva laicização da sociedade ocidental” (Orlando Lopes) fez da ironia e do torcer o nariz em relação ao sagrado um traço de nossa poesia, e também de nossa música, e das artes em geral.

Nesse contexto, qualquer texto que se almeje como o revelador da verdade, da salvação da humanidade, da descoberta do pote de ouro no final do arco-íris, só poderá ser ridicularizado / visto à distância não só pela “crítica canônica” mas pelas ciências em geral, pelas mídias, pela “opinião pública”, por tudo aquilo que necessita manter-se laico para manter-se as coisas como estão.

No entanto, por mais que o modernismo na poesia brasileira tivesse isso também como “traço” / “comportamento”, o fato é que a poesia moderna lida com metáforas / símbolos que já foram vastamente utilizados e ressignificados por tradições antiquíssimas - nenhum símbolo, nenhuma metáfora de nenhum poeta do século XX pode ser absolutamente original, pois os elementos da palavra / poética são milenares, assim como suas possibilidades de interpretação.

“De modo que nada há novo debaixo do Sol. Há alguma coisa que se possa dizer: vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados” (Eclesiastes, 1: 9-10).


Na auto-ironia de Drummond, “sorrio pensando: somos os Modernos provisórios, a-históricos...”.

Por isso, Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Mário Faustino, Adélia Prado, Cecília Meireles, o profeta Gentileza, e muitos e muitos outros, vira e mexe, vivenciam esteticamente tal estupefação diante da existência, porque a poesia, ao lidar com metáforas relativas ao que é considerado sagrado pela tradição antiga, acabará – querendo ou não – por se embebedar nas águas do mistério.

“Guardar um segredo / em si e consigo / não querer sabê-lo / ou querer demais”, diz Drummond.

Mas o poeta moderno, tal como a personagem de “Máquina do Mundo” não ousa transpor a ponte, prefere consolar-se em seu pseudo-ateísmo – pseudo, sim, porque Drummond, especificamente, vive brigando com Deus, questionando-o, blasfemando-o, ironizando-o (“nem eu posso com Deus nem ele pode comigo”), e, incrível, também prestando-lhe reverências.

“E pergunta, sem interesse pela resposta: trouxeste a chave?”

Pois a poesia mística perguntaria com interesse pela resposta, e responderia à questão: trouxeste a chave?, com um sonoro sim!

É isso que assusta os céticos na poética mística de Waldo Motta, afinal ele trouxe uma resposta! Ao contrário de poetas muitas vezes propensos a divagações inúteis, Waldo resgata o sentido inicial dos textos sagrados, que são necessariamente poéticos: ele oferece uma resposta, o maná, a água da vida eterna. Esse é o objetivo dos textos sagrados.

A poesia sufi, por exemplo, no dizer de Farid Ud-In Attar e de Rumi, tem a missão de conduzir o leitor da leitura para o encontro direto com Deus. Na poesia mística, a poética salta do papel para a vida, para a sua transcendência e transformação em Deus – esse é seu aspecto fundamental / primordial.

A poesia mística induz, provoca o salto, porque seus símbolos sagrados correspondem, na forma e no conteúdo, a arquétipos / a memória milenar do homem / a desejos de completude / a inconsciência coletiva. Ela preenche um vazio mental carente de uma explicação / projeção simbólica para se fartar / provocar a saciedade / retornar ao estado adâmico, ingênuo e puro. É como se as metáforas, ao serem compreendidas segundo códigos místicos universais, representassem a abertura de um novo portal de conhecimento / comunicação, que lida com universos paralelos de sentido e cria novas realidades e percepções do ser.

É o grande poder da palavra / parábola / alegoria, habilmente utilizada na poesia mística para provocar a transformação do ser – a poesia como ferramenta para o resgate da espiritualidade e do Eu-Divino.

“Todos os pensamentos e emoções, todo o conhecimento e saber, adquiridos pelas primeiras raças ou a elas revelados, encontravam sua expressão pictórica na alegoria e na parábola. Por quê? Porque a palavra articulada tem um poder que os ‘sábios’ modernos não só desconhecem, mas nem sequer suspeitam, por isso, nele não acreditam” (Madame Blavatsky).

A poesia mística requer / solicita um tipo de leitor, ou uma postura de leitura, distinta do leitor prosaico da poesia prosaica. Caso contrário, a recepção só poderia ser mesmo paródica / irônica, ou seja, equivocada, porque esta poesia solicita uma recepção distinta. Esse “leitor místico” é, na verdade-alegoria, um aventureiro em busca do manancial da vida eterna, uma aventura em que está em jogo a própria vida, isto é, o desafio de transcender a vida e de superar a morte – eis a loucura proposta pela poesia mística, através de um jogo de metáforas que induziria a uma prática ritualística: a superação da morte, pelo poder da palavra.

Em síntese: só se poder conhecer a poética de Waldo Motta em toda a sua grandiosidade à luz de uma vivência mística, de fato.

Nenhuma crítica acadêmica será capaz de digeri-la / abarcá-la, seguindo os métodos das ciências literárias, calcados no esforço laico-intelectual / reflexivo / mental, desconsiderando as potencialidades do corpo físico, as práticas eróticas e de amor ao próximo e os rituais da magia da palavra / imagem / símbolo (tarot, cabala, astrologia, numerologia, etimologia etc.) como instrumentos legítimos de conhecimento.

Ter consciência da proposta poética de Waldo Motta é absurdamente diferente de vivenciá-la corporalmente. A consciência mental, sem a vivência corpórea, só nos dá as migalhas de um banquete celestial, que deve ser celebrado com o corpo, visto então como um templo da união entre a carne e o espírito (mente / consciência).

É essa vivência corporal / mística, de união do blasfemo (podre / excremento) com o sagrado (consciência / espírito /mente), que leva ao Conhecimento e à Verdade – esse é o meu testemunho! É importante usar esse termo “testemunho”, pois, além do seu aspecto claramente religioso, isso traz à tona o sujeito, a subjetividade e, antes da estética, a ética, o que nos leva “a ser o que escrevo”, como diz Waldo.

A poesia desse nosso glorioso contemporâneo precisa ser vivenciada como um ato de fé e de amor, próprio de uma postura religiosa, no sentido alegórico do termo, naturalmente. Pois sua poética traz uma proposta de redenção / salvação da humanidade – é a ressurreição da carne, o milagre. "E o milagroso dá medo. Aqueles que foram testemunhas da ressurreição de Lázaro terão ficado horrorizados", nos lembra o personagem do contro de Jorge Luis Borges.

Uma poesia que apresenta: “sim, eu trouxe a chave!”, representa simbolicamente a superação de toda uma poesia que, embora negasse, jamais deixou de lidar com elementos do místico / sagrado, mas de forma esquiva / relutante.

Quero frisar, contudo, que uma reflexão honesta a respeito das poesias modernas que lidam com o místico nos ajudará, sim, a compreender as implicações maiores da poética de Waldo Motta, pois este nobre capixaba inaugura uma hermenêutica própria, que deglute a modernidade e aponta para o novo / antigo.

Seus poemas são a ponta do iceberg. Eles nos remetem a outras leituras (que incluem os poetas modernos, entre muitas outras coisas) e essas outras leituras são fundamentais para se aprofundar no poço, pois, afinal, “o buraco é mais embaixo”.

Inclusive, uma ótima contribuição de Bundo - a obra marcante / inaugural de Waldo - é nos abrir os olhos para as palavras da Bíblia Sagrada, que são continuamente manipuladas ao longo dos séculos para justificar a homofobia, o machismo, o assassinato e toda a sorte de desgraças. Waldo nos ajuda a quebrar os preconceitos em relação aos textos sagrados, olhando-os de forma alegórica, consciente das verdades inscritas / deduzidas pelas metáforas.

E arrisco-me, tal como Murilo Mendes, a anunciar que "o poeta futuro já se encontra no meio de nós. / Ele nasceu na terra / preparada de sensuais e de místicos: / Surgiu do universo em crise, do massacre ente irmãos, /Encerrando no espírito épocas superpostas".

Alguém duvida? Pois então prove!

Distraídos venceremos - Paulo Leminsky

Distraídos venceremos, de Paulo Leminski

O livro de poemas Distraídos venceremos, de Paulo Leminski, poeta das situações do dia-a-dia e das grandes indagações, foi publicado em 1987 e é o último volume de poemas publicado pelo autor em vida. Divide-se em três partes, num total de 109 textos: "Distraídos venceremos", "Ais ou menos", e "Kawa cauim". Essa última seção é dedicada aos haicais.

Nesta obra, o poeta mostra toda sua qualidade já no título que comporta um jogo de palavras que denota sentidos diversos e fortes, que nos faz pensar sobre o que virá adiante e o que encontramos é exatamente isso: uma habilidade tremenda para dar diversos sentidos a uma mesma expressão. Já no prefécio (ou Transmatéria contrasenso), Leminski diz que este livro é o resultado do impacto da poesia do livro Caprichos e Relaxos (1983) e conta que \"seria demais, certamente, supor que\" ele \"não precise mais da realidade\" e que seria de menos suspeitar que esta mesma realidade seria a mãe \"dos dizeres tão calares\".

Entre os 80 poemas das duas primeiras partes, 38 são metapoemas. Essa incidência de quase a metade de textos sobre poesia denuncia a preocupação de Leminski com o fazer poético, e nos mostra o ponto de partida, ou a porta de entrada para a poesia do agitador cultural curitibano. Como escrever a metade dos poemas de um livro sobre a poesia sem desesperar os leitores, ou propositalmente desesperando, ou reveleminskando? Há que perseguir, em sua via de loucoções, revérbios, frases desfeitas e lugares-incomuns, a concepção poética do artista.

Em sua correspondência a Régis Bonvicino, Leminski declara: “Ser poeta é ter nascido com um erro de programação genética que faz com que, em lugar de você usar as palavras pra apresentar o sentido delas, você se compraz em ficar mostrando como elas são bonitas, têm um rabinho gostoso, são um tesão de palavra”. E acrescenta, reafirmando a correspondência sexual da fruição poética: “O poeta é aquele que deglute a palavra como objeto sexual mesmo, como um objeto erótico. Para mim, a poesia é a erotização da linguagem, o princípio de prazer na linguagem”.

Vamos tentar esclarecer o anseio do poeta, partindo do título do livro e de sua primeira parte. É evidente a desmontagem e remontagem do anexim “unidos venceremos”. A expressão, em sua trajetória lingüístico-cultural, é bastante convergente, como locução cristalizada e como formação etimológica: ela remete para um único sentido, para a unidade.

Ao desfazer a frase feita, o poeta acrescenta-lhe múltiplas possibilidades. Se se considerar que o verbo distrair descende do latim distrahere, e significa “puxar para diversas partes”, teremos de início o desmonte da idéia de unidade, de convergência. A expressão se liberta de sua carga cultural e sua prisão etimológica para começar a atirar para todos os lados, com conotações até desencontradas: desatentos, inadvertidos, descuidados, divertidos, alheios, abstraídos, desviados, desencaminhados, extraviados, esquecidos... Venceremos mesmo assim? Sim, a poesia vai nos encontrar de várias maneiras, ela só não vai mostrar caminhos, ela não tem que esclarecer coisas, ditar regras, sistematizar, e sim dispersar, produzir possibilidades.

Por que “venceremos”, na primeira pessoa do plural? Porque, conforme declarou Leminski, “poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso. Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada”. O título é, portanto, um convite para que os poetas da emissão e da recepção possam se desentender na maior desunião, e tirando o maior proveito disso.

A poesia vai nos encontrar de várias maneiras, ela só não vai mostrar caminhos, ela não tem que esclarecer coisas, ditar regras, sistematizar, e sim dispersar, produzir possibilidades.

O primeiro poema da primeira parte, “Aviso aos náufragos”, contém a essência da concepção de poesia do autor, e funciona como uma advertência. Temos aí novamente o processo desmonte-remonte. Navegante viaja na superfície; náufrago afunda, aprofunda, sucumbe, deixa-se envolver pelo oceano. E de todos os náufragos, os mais profundos são os náugrafos. Quem são os náufragos? O poeta criador, os poetas leitores, as poesias palavras.

E o aviso? A página na qual se leminskreve a poesia nasceu branca, pálida, primitiva como uma folha de árvore, ou histórica e canônica como a epopéia Ilíada. Não era para ser lida, ou já trazia a leitura de séculos, em sua brancura de areia, em seu recôndito inacessível da constelação ou do pico mais alto, até que se sujou com a mancha gráfica, a partitura para os olhos, o poema.

Aí comparece aquele “rabinho gostoso” na “sílaba sentida”, o “ai!” dolorido do Himalaia, a poesia em suspensão para mostrar que sílaba também sente dor. A que não nasceu ainda: a página por vir. As águas sagradas do rio Nilo conduzem a palavra, inscrita no papiro, a escrita vai cumprir seu destino histórico, vai ter tradução em todos os sistemas lingüísticos, vai tornar-se comum a todos, vulgarizando as confidências. Acima de tudo, o poema vai inverter a ordem comum das coisas, tornando-se a pedra sobre a qual o vidro do entendimento cai e se fragmenta. Se a pedra não vai ao telhado, o telhado vai até a pedra. Ao final, a poesia se aproxima da vida naquilo que ela tem de inesperado, fragmentado, desordenado, irracional.

A idéia de que a poesia deve carregar em si o imperativo da mudança aparece também em “A lei do quão”, que pode ser traduzido como “a lei de como fazer poesia” em que a clássica Branca de Neve vai sofrer em breve uma mudança de textura e de temperatura. Para fazer o máximo do mínimo, o poeta deve estar atento aos menores detalhes da língua. A poesia não apresenta um caminho fácil de transitar, a escrita é infinita; assim como a vida, percorre estradas turbulentas.

O momento da criação é encenado em “Adminimistério”: como administrar o pequeno mistério da inspiração que visita o poeta em seu sono da meia-noite? Insetos visitam a folha branca, como se palavras fossem. Ou são mesmo, a julgar pelas “nuvens de equívocos” ou “enxames de monólogos” presentes em “Iceberg”, uma paradoxal pedra de gelo reduzida ao mínimo necessário, “um piscar de espírito”, que poesia não tem que ficar explicando as coisas. “One-way poetry”, como definiu uma vez o Leminski, completando: “poesia-curtiu-cabou”. É a tendência à síntese buscada pelo autor: “A única razão de ser da poesia é o antidiscurso. Poesia, num certo sentido, é o torto do discurso. O discurso torto”.

Da mesma forma o impulso que leva o poeta a escrever não pode ser explicado. Há tentativas: porque ele precisa, porque ele está embriagado (tonto, mesmo, ele que morreu de hepatite etílica), porque o dia amanhece... Afinal, não existe explicação. “Tem que ter por quê?”

Em “Diversonagens suspersas”, o poeta fala sobre ser poeta. O princípio da superposição de palavras se realiza aqui como amálgama de diversas-personagens-suspensas-dispersas, que confirma também o princípio da dispersão, da divergência. O poeta está perdido “no exato lugar onde está”, e seu verso também ainda não pode ser localizado, ele está

Em algum lugar de um lugar,
onde o avesso do inverso
começa a ver e ficar.

Embora saiba que está pervertendo/subvertendo a língua pátria, ele tem tanta fé na poesia quanto um canônico Gonçalves Dias:

Por mais prosas que eu perverta,
não permita Deus que eu perca
meu jeito de versejar.

Semelhante à enxurrada do Nilo, um texto está repleto de ecos históricos, ele carrega em si a história dos outros textos da humanidade. Até que ponto essa impregnação histórica influencia o texto do poeta? É o que ele pergunta em “Distâncias mínimas”:

ouvir é ver se se se se se
ou se me lhe te sigo?

Todas as palavras que mancham um papel já foram escritas alguma vez por alguém, é o que reitera o poeta em “Plena pausa”. Assim como o branco é a soma de todas as cores, a página branca contém a “soma de todos os textos”. “Folha isenta” não existe. Mesmo a mais pura areia do Saara longínquo possui uma carga de significação que o artista não pode ignorar:

Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.

Ciente de que nem a página se apresenta a ele isenta, o poeta tem de correr atrás da palavra, o elemento lúdico, combinatório, anagramático, mais significante do que significado. São os artefatos a que ele se refere em “Passe a expressão”, em que o ofício do poeta se apresenta irreverentemente associado aos eventos fisiológicos de comer e defecar. A idéia da poesia como uma mancha no papel é retomada novamente na disgusting metáfora das fezes sujando o papel higiênico.

A impotência de buscar o sentido, ou a falta de sentido da busca do sentido não é só do leitor; os conceitos são sobrepostos, as frases e as palavras também, são fragmentos que se dispersam, ao invés de convergirem para um sentido; assim é a confusão essencial do poeta, que só por amar as palavras se sente confundido por elas:

Se tudo existe
para acabar num livro,
se tudo enigma
a alma de quem ama.

Os conceitos são sobrepostos, as frases e as palavras também, são fragmentos que se dispersam, ao invés de convergirem para um sentido; assim é a confusão essencial do poeta, que só por amar as palavras se sente confundido por elas.

Talvez por sua confusão, o poeta sente em si o peso do idioma corriqueiro que ele não criou, e busca “O par que me parece”, uma língua idealizada, próxima da pureza primitiva dos Hititas, ou das imaculadas areias da praia distante. A mesma metáfora da areia como ideal de pureza poética aparece também em “Aviso aos náufragos” e em “Plena pausa”, de difícil — ou impossível — alcance. Mas o poeta continua perseguindo o idioma poético de palavras essenciais, em que cada uma delas vale por duas.

Na linha do equívoco essencial, a poesia ilude tanto o poeta criador quanto o poeta leitor; ela é feita de luzes que se refletem, porém luzes enganosas: o que parece verde é sinal vermelho que barra a passagem. A poesia é o desencontro dos contrários, dos “Desencontrários”. As palavras resistem às ordens do poeta, parecem fora de si, não acham as saídas, terminam por não levar a nada:

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

O poeta leitor, por sua vez, tem que aprender a “Ler pelo não”, tentar ler o que não é apenas óbvio, o ausente, o silencioso. O leitor que conseguir “desler, tresler, contraler” vai ser premiado com a América procurando as Índias, vai ver o dentro fora e o fora dentro, vai encontrar tudo aquilo que não esperava onde era impossível encontrar.

Ler, ensina o poeta em “M de memória”, não passa de uma lenda, já que as obras são um acúmulo de histórias inúteis. O saber é um bem inútil em “Objeto sujeito”. Sabedoria é não saber nada que valha a pena (pasárgada, xanadu, shangrilá, ou a chave de um poema).

“Poesia: 1970” é poesia marginal, aquela em que um rabisco já é um clássico. Sobre a poesia marginal, o poeta declarou certa vez: “a poesia dos anos 70, ou ‘marginal’, é ótima: ela registra bobagens tão insignificantes que nenhuma prosa se dignaria recolher para as eternidades da memória. A poesia dos anos 70 é uma antropofagia.” A voz poética despreza quem defende a poesia de impulso, de improviso, mas garante que continua a cometê-la.

“Despropósito geral” é o despropósito de escrever obras-primas, como resultado de uma estranha luta e muito abuso, quando na verdade sua poesia é eco de toda a escrita do mundo.

Em “Um metro de grito”, Leminski metaforiza o comércio poético perguntando: “quanto me dão / por minhas idéias?” A recepção da poesia é algo enganosa, “coisas que eu vendo a metro / eles me compram aos quilos”, afinal para que serve a arte, para que se consomem filmes, livros, discos? Diante da postura dos intelectuais brasileiros de defesa comiserada da poesia, que, segundo eles, é injustiçada pelo grande público, que não a consome, Leminski dizia que poesia não é feita para vender: “Poesia é um ato de amor entre o poeta e a linguagem”. Daí a idéia de grito associada à poesia, que aparece em ‘Um metro de grito”, “O par que me parece”, “Passe a expressão”, e “Distâncias mínimas”: o desabafo, o orgasmo, o produto dessa relação de amor.

Essa relação de amor chega a ser adoração, como em “Anch’io son pittore” (“Eu também sou pintor”), em que o eu-lírico refere-se à postura de Fra Angelico, pintor italiano do século XV, que se ajoelhava diante de suas pinturas religiosas, como se fosse pecado não se curvar diante de tão magnífica criação: “orava como se a obra / fosse de deus não do homem”. Ao declarar-se também “pittore”, a voz poética confessa sua adoração pela obra poética, obra divina.

Poesia pode ser arte sublime mas também pode traduzir-se em “Rimas da moda”, cada tempo com seu verso característico: na década de 1930, as rimas singelas de amor puro e o sofrimento amoroso; nos anos sessenta, a poesia em defesa de uma sociedade mais justa; nos anos 80, a liberação sexual na sedução amorosa.

Esse império dos signos em dispersão é o mundo das palavras em “Nomes a menos”. Nome não é coisa, é o que resta das coisas quando elas passam. E todas passam, só os nomes ficam, a palavra é mais resistente do que a coisa nomeada. E a “alma” do signo não tem nome e não é coisa, nome e coisa são coisas que doem dentro do nome, “que não tem nome que conte / nem coisa pra se contar”.

A dispersão das palavras e expressões na folha branca retorna em “Sortes e cortes”, em que uma tesoura deforma a folha, que contém uma magia diabólica, “claro oculto entre as claridades”, uma sensação de vazio que dá saudade. Em “Sujeito indireto”, o poeta declara que sua luta com as palavras poderia ser amenizada se ele pudesse atingir a perfeição ainda no projeto. Seu desejo era vislumbrar a arte perfeita antes de começar a obra, mas isso é impossível.

E assim continuam a desfilar os flashes poéticos com seus recados. “Como pode?”: a poesia de hoje é diferente da de ontem, tudo muda, provoca uma sensação de estranhamento; “Rosa Rilke Raimundo Correa”: o trabalho poético tenta transformar sensações em palavras; “O atraso pontual”: a inspiração é um “impuro espírito”, ao mesmo tempo arquiteto e vampiro, racional e sobrenatural, a poesia existe na ausência do tempo e do espaço no encontro do tempo e do espaço, a essência da solidão do poeta e de sua poesia; “Segundo consta”: o poeta rejeita o projeto de felicidade que a sociedade lhe propõe, e ao acabar o mundo, ele será reconstruído segundo a ótica poética, com exceção talvez do amor: será possível sua recriação? Alguém se lembra de como ele era antes?

Outras são as temáticas: a vida incompleta e inexplicável, a inutilidade da memória, a apreensão do mundo em suspensão, em flashes atemporais, o amor/desamor do homem, sua infinita incapacidade de amar ou de lidar com o enigma amoroso, a ambigüidade e indefinição do ser humano em sua trajetória tortuosa, plena de problemas que não se resolvem e constituem família:

problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas

Merece destaque a temática amorosa, que comparece como segunda em presença, com nove ocorrências. Leminski se queixava de que nenhuma disciplina científica nunca tenha tratado do amor como objeto de estudo: “O amor é uma coisa que você vai ter que procurar nos artistas, na televisão, no cinema, e, principalmente, na poesia”. Já que a ciência o despreza, vamos achá-lo nos textos. Mas o que é o amor para o Paulo? É tudo o que é a poesia e a vida: incertezas, mudanças constantes, desencontros, relacionamentos instáveis.

Mas o que é o amor para o Paulo? É tudo o que é a poesia e a vida: incertezas, mudanças constantes, desencontros, relacionamentos instáveis.

Ele já começa vazio num poema sem título (“Pra que título? O poema não funciona sozinho?”), e reflete o próprio vazio da existência, “essa maldita capacidade, / transformar amor em nada”. A maldita incapacidade de amar é reiterada no coração do eu-lírico de “Além alma”, o qual NÃO TEM VAGA NEM LUGAR para o amor, cuja presença faz sofrer, cuja ausência cai macio. O sentimento continua negado na lógica lúdica do poema sem título cujos primeiros versos são “sorte no jogo / azar no amor”: o jogo do amor não serve para quem não gosta de jogo, independente de azar ou sorte, e sua falta provoca “Parada cardíaca”.

Entretanto, o amor às vezes insiste, aí dá merda, como em “Merda e ouro”: “Não há merda que se compare / à bosta da pessoa amada”. Quando ele chega, incomoda. Você não pode medi-lo, mas sabe que ele aumenta ou diminui (“há pouco era muito, / agora apenas um sopro”). Amar exige luta e muita vontade: “a pedra só não voa / porque não quer / não porque não tem asa”. Contraditoriamente, o sentimento amoroso, por mais que seja negado, permanece: “sentir fica”.

Depois de tanta poesia sobre poesia, poeta, leitor, e depois amor, vamos aos haicais de “Kawa cauim”. O que é isso? Parece-nos o ideograma de “rio” em japonês como o high spirit do delírio tupiniquim. Esta parte tem como subtítulo “Desarranjos florais”, justificando o fato de que a seção não se compõe de haicais formalmente perfeitos. Mesmo mantendo os três versos tradicionais do haicai, como acontece na maioria das vezes, eles nunca obedecem à estrutura tradicional de 5-7-5 sílabas. Em outros casos, o pequeno poema apresenta não três, mas quatro, cinco ou seis sílabas, e às vezes tem até título, o que foge à característica formal do pequeno poema japonês.

Leminski começou a se interessar pelo haicai em torno dos vinte anos de idade, estudando e traduzindo autores japoneses, principalmente Matsuo Bashô, poeta japonês (segunda metade do século XVII) que levou o haicai à perfeição.

O haicai como forma fixa é um pequeno poema de três versos, de 5, 7 e 5 sílabas, respectivamente. O próprio Leminski explica as funções dos três versos do haicai:

“O primeiro verso expressa, em geral, uma circunstância eterna, absoluta, cósmica, não humana, normalmente, uma alusão à estação do ano, presente em todo haicai. O segundo verso representa a ocorrência do evento, o acaso da acontecência, a mudança, a variante, o acidente casual. Por isso, talvez, tenha duas sílabas a mais que os outros. A terceira linha do haicai apresenta interação entre a ordem imutável do cosmos e o evento.”

Segundo o especialista Reginald Horace Blyth, destacam-se no haicai as seguintes características principais:

a) a ausência do eu, onde o poeta procura não deixar transparecer sua individualidade, inserindo sua opinião;
b) não moralidade, pois questões morais configurariam prosa e não poesia;
c) solidão, a plenitude de estar só consigo mesmo;
d) grata aceitação, o que nos torna mais felizes, independente das coisas que nos aconteçam;
e) intelectualidade ou ausência das palavras, procurando usar mais substantivos do que adjetivos;
f) contradição, de notada influência do espírito zen, à semelhança dos koan (anedotas), que servem para o mestre treinar seus discípulos.

Antes de se iniciarem os “Desarranjos florais”, parte que contém os haicais propriamente ditos, o poeta explica o ideograma de kawa, rio em japonês, e “explica” a filosofia de “Hai” e “Kai”. “Hai” nasce perfeito, e definha ao iniciar a busca de si mesmo, do conhecimento, das explicações da vida, da arte e da poesia, diminui ao crescer e morre germe. “Kai” reitera o estado quase puro da poesia, que retira o corpo mas deixa a sombra, o mu-ga (“não-eu”, em japonês, o exato ponto de harmonia entre o eu e as coisas).

A adoração de Leminski pelo haicai começa por sua crença no texto curto, de bate-pronto, típica de uma poesia feita de “saques, piques, toques & baques”, como se auto-analisa o poeta. Para ele, “o haicai valoriza o fragmentário e o ‘insignificante’, o aparentemente banal e o casual, sempre tentando extrair o máximo do significado do mínimo de material, em ultra-segundos de hiper-informação. De imediato, podemos ver em tudo isso os paralelos profundos com a estética fotográfica. Esses traços característicos do haicai podem ser transpostos sem nenhuma dificuldade para a fotografia”.

Vejamos um deles:

noite sem sono
o cachorro late
um sonho sem dono

Seguindo o hexálogo de Horace Blyth, constatamos que o poemeto

a) não revela um eu subjetivo;
b) não lida com questões morais;
c) apresenta a solidão essencial;
d) pressupõe a grata aceitação tipicamente zen;
e) contém poucas palavras, com predominância de substantivos;
f) apresenta uma incoerência no objeto da ação de latir.

O haicai capta o mundo exterior, a fotografia de um momento, que ultrapassa sua própria vulgaridade. Apesar da elisão do sujeito, apresenta-se um Eu maior (mu-ga), que permite que o mundo seja, sem a interferência de anseios e temores. A noite sem sono não é a insônia de um homem, é um estado de coisas da própria noite, uma declaração de que ela está lá, “uma circunstância eterna, absoluta, cósmica”. O evento, a perturbação vem com o latido do cão, sem dono, como a noite, o sono e o sonho. O sonho sem dono da terceira linha é o elemento que concilia as duas anteriores, que completa a cena, arredondando-a; não necessariamente a conclusão lógica, mas a parte integrante que confere unidade à tríade.

E assim seguem os “desarranjos” do Paulo, sobre o mar, o céu, o sábado ou simplesmente o dia de vida, o sol, a chuva, as praias, o inverno, a lua, o vento, a alvorada, o temporal, a tarde... Aí ele ri e lhe dá de presente:

rio do mistério
que seria de mim
se me levassem a sério?

Distraídos Venceremos é um exemplo claro sobre a última fase da poesia de Leminski e nele o poeta mostra todas as suas facetas encontradas, de forma distraída, quase que naturalmente, o que nos dá uma sensação de ter lido um grande livro de poemas, de um Leminski no melhor de sua forma poética. E por que ele escrevia?

RAZÃO DE SER

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê? (Paulo Leminski)


Gabarito/ EXERCÍCIOS ORTOGRÁFICOS DE 18/02/11:

1. D 6. D
2. B 7. D
3. A 8.A
4. D 9.D
5. C 10.D

RESPOSTAS - Acordo ortográfico
1- E
2- D
3- D
4- A
5- C
6- A
7- B
8- B

O pagador de promessas - Dias Gomes - Análise

O Pagador de Promessas - Dias Gomes - resumo

Encenada pela primeira vez a 29 de julho de 1960, no Teatro Brasileiro de Comédia (São Paulo), essa peça marca o início da segunda fase do teatro de Dias Gomes e sua consagração como um dos mais destacados dramaturgos contemporâneos do Brasil. Considerada por Anatol Rosenfeld como uma tragédia, no sentido clássico do termo, O Pagador de Promessas, segundo o próprio Dias Gomes, “é a história de um homem que não quis conceder - e foi destruído”.

Trata-se de um texto escrito para teatro, ou seja, para ser levado ao palco, ser encenado. A peça é dividida em três atos, sendo que os dois primeiros ainda são subdivididos em dois quadros cada um. Após a apresentação dos personagens, o primeiro ato mostra a chegada do protagonista Zé do Burro e sua mulher Rosa, vindos do interior, a uma igreja de Salvador e termina com a negativa do padre em permitir o cumprimento da promessa feita. O segundo ato traz o aparecimento de diversos novos personagens, todos envolvidos na questão do cumprimento ou não da promessa e vai até uma nova negativa do padre, o que ocasiona, desta vez, explosão colérica em Zé do Burro. O terceiro ato é onde as ações recrudescem, as incompreensões vão ao limite e se verifica o dramático desfecho.
Primeiro ato. Primeiro quadro.

A ação da peça tem início nas primeiras horas da manhã (4 e meia), numa praça, em frente a uma igreja, em Salvador. O personagem denominado Zé do Burro carrega uma cruz e se aloja na frente da igreja. A seu lado Rosa, sua mulher, apresentada como tendo "sangue quente" e insatisfação sexual. Zé espera a igreja abrir para cumprir sua promessa, feita a Santa Bárbara. Aparecem no lugar, algum tempo depois, Marli e Bonitão: ela prostituta; ele, gigolô. Há uma clara relação de exploração e dependência entre eles. Encontrando Zé, Bonitão dirige-se a ele e percebe ser alguém ingênuo. Rosa, por sua vez, conversando com o gigolô, queixa-se de Zé, contando que ele, na sua promessa, dividiu suas terras com lavradores pobres. Percebendo a ingenuidade, Bonitão propõe-se a providenciar um local para Rosa descansar. Zé não só aceita, como incentiva. Saem os dois, Bonitão e Rosa, de cena.

Segundo quadro.

Aos poucos, começa o movimento ao redor da praça. Aparecem a Beata, o sacristão e o Padre Olavo, titular da igreja. Zé explica a promessa: Nicolau foi ferido com a queda de uma árvore; estando para morrer, Zé fez a promessa. O burro - Nicolau é um burro! - salva-se. Ingenuamente, Zé revela ter usado as rezas de Preto Zeferino e feito a promessa num terreiro de candomblé, a Iansã, equivalente afro de Santa Bárbara. O padre fica escandalizado. Estabelece-se o conflito. O sincretismo Iansã - Santa Bárbara, natural para Zé do burro, é um grandioso pecado para o padre. A situação agrava-se com a revelação da divisão de terras. Impasse. O padre manda fechar a igreja e proíbe o cumprimento da promessa. Zé do burro fica atônico.

Segundo ato. Primeiro quadro.

Duas horas mais tarde, já a movimentação no lugar é intensa. O Galego, dono do bar, abriu seu estabelecimento. Surgem Minha Tia, vendedora de acarajés, carurus e outras comidas típicas, Dedé Cospe-Rima, poeta popular, ao estilo repentista e o Guarda. Zé do burro quer cumprir a promessa. O Guarda tenta intervir. Rosa reaparece com "ar culpado". Chega o Repórter. Seguindo a linha do oportunismo sensacionalista, o repórter quer tirar vantagens da história de Zé do Burro. Quer torná-lo um mártir, para virar notícia. Enquanto isso descobre-se que Rosa transou com Bonitão. Marli faz um pequeno escândalo, denunciando a história Rosa-Bonitão.

Segundo quadro.

Três da tarde, Dedé oferece poemas para Zé, a fim de derrotar o Padre. Aparecem, em momentos subseqüentes, o capoeirista Mestre Coca e o policial, o Secreta, chamado por Bonitão, ficando ambos, por enquanto, nas cercanias. Zé começa a perder a paciência e arma uma gritaria. O padre reage. Chega o Monsenhor, autoridade da igreja, propondo a Zé uma solução: ele, Monsenhor, na qualidade de representante da Igreja, pode liberar Zé da promessa, dando-a por cumprida. Zé não aceita, dizendo que promessa foi feita à Santa e só ela poderia liberá-lo. Segue o impasse. Zé explode novamente e avança com a cruz sobre a Igreja. O padre fecha a porta. Zé, já desesperado, bate com a cruz na porta. O drama é total.
Terceiro ato.

Entardecer. Muita gente na praça e nos arredores da Igreja. Há uma roda de capoeira. O Galego, oportunista, oferece comida grátis a Zé, pois a história está trazendo movimento ao seu bar. O Secreta, no bar, avisa que a polícia prenderá Zé, ameaçando os capoeiristas, caso eles interfiram. Marli volta. Ofende Rosa, ofende Zé. O protagonista parece mudar de atitude. Resolve ir embora "à noite". Rosa quer ir embora já. Conta que Bonitão avisou a polícia. Retorna o repórter, que tenta montar um verdadeiro circo em torno do Zé, com o objetivo de vender o jornal. Chega Bonitão e convida Rosa para ir com ele. Zé pede a ela para ficar. Rosa hesita, a princípio, mas, em seguida, vai com Bonitão. Mestre Coca avisa Zé sobre a chegada da polícia. Zé está perplexo: "Santa Bárbara me abandonou". Da igreja saem o Sacristão, o Guarda, o Padre e o Delegado. Tensão da cena acentua-se. Zé ainda tenta, ingênua e inutilmente, explicar alguma coisa. Ao ser cercado, puxa uma faca. As autoridades reagem. Os capoeiristas também. Briga e confusão. De repente, um tiro espalha gente para todos os lados. Zé é mortalmente ferido. Mestre Coca olha para os companheiros, que entendem a mensagem. Os capoeiristas tomam o corpo do Zé colocam-no sobre a cruz e, ignorando padre e polícia entram na igreja, carregando a cruz.





A peça de Dias Gomes tem nítidos propósitos de evidenciar certas questões socio-culturais da vida brasileira, em detrimento do aprofundamento psicológico de seus personagens. Assim, ganha força no drama a visão crítica quanto:

a) à intolerância da Igreja católica, personificada no autoritarismo do Padre Olavo, e na insensibilidade do Monsenhor convocado a resolver o problema;

b) à incapacidade das autoridades que representam o Estado - no episódio, a polícia - de lidar com questões multiculturais, transformando um caso de diferença cultural em um caso policial;

c) à voracidade inescrupulosa da imprensa, simbolizada no Repórter, um perfeito mau-caráter, completamente desinteressado no drama do protagonista, mas muito interessado na repercussão que a história pode ter;

d) ao grande fosso que separa, ainda, o Brasil urbano do Brasil rural: Zé do Burro não consegue compreender por que lhe tentam impedir de cumprir sua promessa; os padres, a polícia, a imprensa não conseguem compreender quem é Zé do Burro, sua origem ingênua, com outros códigos culturais, outras posturas. Além disso, a peça mostra as variadas facetas populares: o gigolô esperto, a vendedora de quitutes, o poeta improvisador, os capoeiristas. O final simbólico aponta em duas direções. Em primeiro lugar a morte do Zé do Burro mostra-se com fim inevitável para o choque cultural violento que se opera na peça: ninguém, entre as autoridades da cidade grande, é capaz de assimilar o sincretismo religioso tão característico de grandes camadas sociais no Brasil, especialmente no interior nordestino. Em segundo lugar, a entrada dos capoeiristas na igreja, carregando a cruz com o corpo, sinaliza para rechaçar a inutilidade daquela morte: os populares compreenderam o gesto de Zé do Burro.

Os Ratos - Dionélio Machado - Comentário

Angústia. Esta é a palavra que perfaz todo o romance, contado por um narrador observador que oferece ao leitor, também, os pensamentos da personagem.Em uma entrevista concedida ao jornal Movimento (24/11/1975), Dyonélio Machado fala sobre a angústia, principalmente, infantil: “Se nos prolongássemos às angústias infantis, não chegaríamos à idade adulta”; sendo assim, pode-se encontrar na infância um possível “berço” das angústias, muitas vezes inexplicáveis, que se acometem nos adultos.O filósofo italiano Gianni Vattimo, autor do livro O fim da modernidade (editora Martins Fonte, 2000), ressalta um dos principais pensamentos de Heidegger sobre as reflexões existencialistas voltadas para o conhecimento, a consciência da liberdade do homem em poder fazer escolhas em que o limite será a “morte vivida a cada dia”, chamada angústia. Sendo assim, o pressentimento, a angústia é uma espécie de “morte dosada” do ser humano diante da sua “coisificação”, imposta pela Modernidade (Capra, O ponto de mutação e Harvey, O fim da modernidade).Naziazeno, personagem principal do romance, enfrenta um dia inteiro, entre o medo e a angústia. O medo para Heidegger é sempre transitório e, quando fortificado por uma razão externa (no caso do romance, os ratos, a dívida) transforma-se em angústia e o referencial (a razão) se desvanece e fica o sentimento sufocanAngústia. Esta é a palavra que perfaz todo o romance, contado por um narrador observador que oferece ao leitor, também, os pensamentos da personagem.Em uma entrevista concedida ao jornal Movimento (24/11/1975), Dyonélio Machado fala sobre a angústia, principalmente, infantil: “Se nos prolongássemos às angústias infantis, não chegaríamos à idade adulta”; sendo assim, pode-se encontrar na infância um possível “berço” das angústias, muitas vezes inexplicáveis, que se acometem nos adultos.O filósofo italiano Gianni Vattimo, autor do livro O fim da modernidade (editora Martins Fonte, 2000), ressalta um dos principais pensamentos de Heidegger sobre as reflexões existencialistas voltadas para o conhecimento, a consciência da liberdade do homem em poder fazer escolhas em que o limite será a “morte vivida a cada dia”, chamada angústia. Sendo assim, o pressentimento, a angústia é uma espécie de “morte dosada” do ser humano diante da sua “coisificação”, imposta pela Modernidade (Capra, O ponto de mutação e Harvey, O fim da modernidade).Naziazeno, personagem principal do romance, enfrenta um dia inteiro, entre o medo e a angústia. O medo para Heidegger é sempre transitório e, quando fortificado por uma razão externa (no caso do romance, os ratos, a dívida) transforma-se em angústia e o referencial (a razão) se desvanece e fica o sentimento sufocante, inexplicável e profundo. No livro, o medo de não conseguir o dinheiro para saldar a dívida com o leiteiro se torna “a morte vivida a cada dia, cada minuto” (angústia) e acesso ao nada. Por isso, Naziazeno, em certa altura do romance (diante de todas as suas tentativas fracassadas), não pensa mais, não discute mais, perde as esperanças. Para Freud, o pensamento obsessivo aparece como uma ligação do inconsciente a certas vontades, não satisfeitas, que levam ao estado de ansiedade ou angústia; o pensamento obsessivo de Naziazeno é a dívida. Em detrimento dela, e por ela, ele é capaz de se sacrificar: ficar sem almoço, pedir dinheiro para desconhecidos, não trabalhar, voltar tarde para casa, não dormir – tornando o ato de saldar uma dívida em um “calvário” (como se o empréstimo fosse a sua única salvação).Dyonélio Machado dedica o título da obra e dois capítulos aos ratos. Pelo menos aos olhos do convencional, os ratos (animais de hábitos noturnos que sobrevivem de restos de alimentos e vivem em lixos, sótãos, etc.) causam repugnância, medo, pavor, agonia, angústia, nojo e outros. Qual seria então a possível relação metafórica desse animal com Naziazeno ou com sua condição momentânea? Primeiramente, os ratos, normalmente, são animais indesejados em qualquer residência, ao contrário de gatos, cachorros, peixes ou pássaros, pode-se dizer, então, que os ratos vivem à margem da preferência humana, de uma sociedade. Naziazeno, personagem principal do livro, também vive à margem da sociedade, de uma sociedade que normalmente não abdica, por exemplo, do leite, da manteiga, do gelo (no caso particular de Naziazeno), do almoço (nem que esse seja simplesmente uma sopa com pão) de produtos ou condições essenciais para uma qualidade de vida. Esses animais são “desprezíveis”, bem como Naziazeno no início da obra, no momento que nega a necessidade do leite para seu filho. E é também em favor de seu filho que Naziazeno procura saldar sua dívida.Os ratos, em certo momento da obra, perturbam o sono da personagem, prendem sua atenção, eles incomodam, parecem continuação do dia cansativo, parecem o inconsciente que procura nos detalhes dos barulhos algo para prolongar uma tarefa inacabada: Naziazeno ainda não pagou a dívida, sua vontade ainda não foi satisfeita; o subconsciente trabalha e não o deixa dormir, como se faltasse algum pedaço para juntar o quebra-cabeça. O pensamento obsessivo, a angústia, o inconsciente só param ou descansam com a chegada do leiteiro e a dívida aniquilada: um êxtase toma conta do corpo e da alma de Naziazeno que dorme, agora, tranqüilamente; o pensamento obsessivo passa, o medo passa, a angústia desaparece.O discurso indireto livre é um recurso, relativamente, recente. Surgiu com os romancistas inovadores do século XX e tem como característica o misto dos discursos direto e indireto. Outro item abordado pelo autor e que remete ao modernismo é o linguajar simples, coloquial, direto, não há “rodeios” nem sentimentalismo exacerbado nas palavras ou pensamentos. A idéia da modernidade, a incorporação das “conquistas” do progresso podem ser destacadas através da citação do “bonde”, da “fábrica”; elementos que também exemplificam coisas do cotidiano, bem como a descrição do café da manhã de Naziazeno, a dívida, o trabalho, as conversas banais em cafés são demonstrações de fatos ligados ao cotidiano e a realidade brasileira. Outra inovação modernista é relacionado ao tempo de ação: na obra de Dyonélio Machado toda a ação se passa em um dia, “interminável” e exaustivo dia que o narrador-observador acompanha entremeando o pensamento de Naziazeno e suas atitudes.Conclui-se que Os Ratos possui uma complexidade de temas imperceptíveis em uma primeira leitura. Como se a obra fosse a mente humana: repleta de abismos escondidos em sorrisos e olhares superficiais, sendo necessário uma observação detalhada, com outros prismas, com um novo olhar.te, inexplicável e profundo. No livro, o medo de não conseguir o dinheiro para saldar a dívida com o leiteiro se torna “a morte vivida a cada dia, cada minuto” (angústia) e acesso ao nada. Por isso, Naziazeno, em certa altura do romance (diante de todas as suas tentativas fracassadas), não pensa mais, não discute mais, perde as esperanças. Para Freud, o pensamento obsessivo aparece como uma ligação do inconsciente a certas vontades, não satisfeitas, que levam ao estado de ansiedade ou angústia; o pensamento obsessivo de Naziazeno é a dívida. Em detrimento dela, e por ela, ele é capaz de se sacrificar: ficar sem almoço, pedir dinheiro para desconhecidos, não trabalhar, voltar tarde para casa, não dormir – tornando o ato de saldar uma dívida em um “calvário” (como se o empréstimo fosse a sua única salvação).Dyonélio Machado dedica o título da obra e dois capítulos aos ratos. Pelo menos aos olhos do convencional, os ratos (animais de hábitos noturnos que sobrevivem de restos de alimentos e vivem em lixos, sótãos, etc.) causam repugnância, medo, pavor, agonia, angústia, nojo e outros. Qual seria então a possível relação metafórica desse animal com Naziazeno ou com sua condição momentânea? Primeiramente, os ratos, normalmente, são animais indesejados em qualquer residência, ao contrário de gatos, cachorros, peixes ou pássaros, pode-se dizer, então, que os ratos vivem à margem da preferência humana, de uma sociedade. Naziazeno, personagem principal do livro, também vive à margem da sociedade, de uma sociedade que normalmente não abdica, por exemplo, do leite, da manteiga, do gelo (no caso particular de Naziazeno), do almoço (nem que esse seja simplesmente uma sopa com pão) de produtos ou condições essenciais para uma qualidade de vida. Esses animais são “desprezíveis”, bem como Naziazeno no início da obra, no momento que nega a necessidade do leite para seu filho. E é também em favor de seu filho que Naziazeno procura saldar sua dívida.Os ratos, em certo momento da obra, perturbam o sono da personagem, prendem sua atenção, eles incomodam, parecem continuação do dia cansativo, parecem o inconsciente que procura nos detalhes dos barulhos algo para prolongar uma tarefa inacabada: Naziazeno ainda não pagou a dívida, sua vontade ainda não foi satisfeita; o subconsciente trabalha e não o deixa dormir, como se faltasse algum pedaço para juntar o quebra-cabeça. O pensamento obsessivo, a angústia, o inconsciente só param ou descansam com a chegada do leiteiro e a dívida aniquilada: um êxtase toma conta do corpo e da alma de Naziazeno que dorme, agora, tranqüilamente; o pensamento obsessivo passa, o medo passa, a angústia desaparece.O discurso indireto livre é um recurso, relativamente, recente. Surgiu com os romancistas inovadores do século XX e tem como característica o misto dos discursos direto e indireto. Outro item abordado pelo autor e que remete ao modernismo é o linguajar simples, coloquial, direto, não há “rodeios” nem sentimentalismo exacerbado nas palavras ou pensamentos. A idéia da modernidade, a incorporação das “conquistas” do progresso podem ser destacadas através da citação do “bonde”, da “fábrica”; elementos que também exemplificam coisas do cotidiano, bem como a descrição do café da manhã de Naziazeno, a dívida, o trabalho, as conversas banais em cafés são demonstrações de fatos ligados ao cotidiano e a realidade brasileira. Outra inovação modernista é relacionado ao tempo de ação: na obra de Dyonélio Machado toda a ação se passa em um dia, “interminável” e exaustivo dia que o narrador-observador acompanha entremeando o pensamento de Naziazeno e suas atitudes.Conclui-se que Os Ratos possui uma complexidade de temas imperceptíveis em uma primeira leitura. Como se a obra fosse a mente humana: repleta de abismos escondidos em sorrisos e olhares superficiais, sendo necessário uma observação detalhada, com outros prismas, com um novo olhar.

Ficções do Interlúdio - Análise

"Um dia,
lá para o fim do futuro,
alguém escreverá sobre mim um poema,
e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino."
Ficções do Interludio


Observe este outro trecho de O Guardador de Rebanhos, poema XX:
A nota preliminar que segue é um apontamento solto de Fernando Pessoa, não datado e não assinado, publicado, pela primeira vez, na primeira edição da Obra Poética de Fernando Pessoa, RJ, Aguilar, 1960.

Nota preliminar

“Umas figuras insiro em contos, ou em subtítulos de livros, e assino com o meu nome o que elas dizem; outras projeto em absoluto e não assino senão com o dizer que as fiz. Os tipos de figuras distinguem-se do seguinte modo: nas que destaco em absoluto, o mesmo estilo, me é alheio, e se a figura o pede, contrário, até, ao meu; nas figuras que subscrevo não há diferença do meu estilo próprio, senão nos pormenores inevitáveis, sem os quais elas se não distinguiriam entre si.

Compararei algumas destas figuras, para mostrar, pelo exemplo, em que consistem essas diferenças. O ajudante de guarda-livros Bernardo Soares e o Barão de Teive - são ambas figuras minhamente alheias - escrevem com a mesma substância de estilo, a mesma gramática e o mesmo tipo e forma de propriedade: é que escrevem com o estilo que, bom ou mau, é o meu. Comparo as duas porque são casos de um mesmo fenômeno - a inadaptação à realidade da vida, e, o que é mais, a inadaptação pelos mesmos motivos e razões. Mas, ao passo que o português é igual no Barão de Teive e em Bernardo Soares, o estilo difere em que o do fidalgo é intelectual, despido de imagens, um pouco como o direi?, hirto e restrito; e o do burguês é fluido, participando da música e da pintura, pouco arquitectural. O fidalgo pensa claro, escreve claro, e domina as suas emoções, se bem que não os seus sentimentos: o guarda-livros nem emoções nem sentimentos domina, e quando pensa é subsidiariamente a sentir.

Há notáveis semelhanças, por outra, entre Bernardo Soares e Álvaro de Campos. Mas, desde logo, surge em Álvaro de Campos o desleixo do português, o desatado das imagens, mais íntimo e menos propositado que o de Soares.

Há acidentes do meu distinguir uns de outros que pesam como grandes fardos no meu discernimento espiritual. Distinguir tal composição musicante de Bernardo Soares de uma composição de igual teor que é a minha.

Há momentos em que o faço repentinamente, com uma perfeição de que pasmo; e pasmo sem imodéstia, porque, não crendo em nenhum fragmento de liberdade humana, pasmo do que se passa em mim como pasmaria do que se passasse em outros - em dois estranhos.

Só uma grande intuição pode ser bússola nos descampados da alma; só com um sentido que usa da inteligência, mas se não assemelha a ela, embora nisto com ela se funda, se pode distinguir estas figuras de sonho na sua realidade de uma a outra.

Nestes desdobramentos de personalidade ou, antes, invenções de personalidades diferentes, há dois graus ou tipos, que estarão revelados ao leitor, se os seguiu, por características distintivas. No primeiro grau, a personalidade distingue-se por ideias e sentimentos próprios, distintos dos meus, assim como, em mais baixo nível desse grau, se distingue por ideias, postas em raciocínio ou argumento, que não são minhas, ou, se o são, o não conheço. O Banqueiro Anarquista é um exemplo deste grau inferior; o Livro do Desassossego, e a personagem Bernardo Soares, são o grau superior.

Há o leitor de reparar que, embora eu publique (publicasse) o Livro do Desassossego como sendo de um tal Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, o não incluí todavia nestas “Ficções do Interlúdio“. E que Bernardo Soares, distinguindo-se de mim por suas ideias, seus sentimentos, seus modos de ver e de compreender, não se distingue de mim pelo estilo de expor. Dou a personalidade diferente através do estilo que me é natural, não havendo mais que a distinção inevitável do tom especial que a própria especialidade das emoções necessariamente projeta.

Nos autores das “Ficções do Interlúdio“ não são só as ideias e os sentimentos que se distinguem dos meus: a mesma técnica da composição, o mesmo estilo, é diferente do meu. Aí cada personagem é criada integralmente diferente, e não apenas diferentemente pensada. Por isso nas “Ficções do Interlúdio“ predomina o verso. Em prosa é mais difícil de se outrar.

Dividiu Aristóteles a poesia em lírica, elegíaca, épica e dramática. Como todas as classificações bem pensadas, é esta útil e clara; como todas as classificações, é falsa. Os géneros não se separam com tanta facilidade íntima, e, se analisarmos bem aquilo de que se compõem, verificaremos que da poesia lírica à dramática há uma gradação contínua. Com efeito, e indo às mesmas origens da poesia dramática - Ésquilo por exemplo - será mais certo dizer que encontramos poesia lírica posta na boca de diversos personagens.

O primeiro grau da poesia lírica é aquele em que o poeta, concentrado no seu sentimento, exprime esse sentimento. Se ele, porém, for uma criatura de sentimentos variáveis e vários, exprimirá como que uma multiplicidade de personagens, unificadas somente pelo temperamento e o estilo. Um passo mais, na escala poética, e temos o poeta que é uma criatura de sentimentos vários e fictícios, mais imaginativo do que sentimental, e vivendo cada estado de alma antes pela inteligência que pela emoção. Este poeta exprimir-se-á como uma multiplicidade de personagens, unificadas, não já pelo temperamento e o estilo, pois que o temperamento está, substituído pela imaginação, e o sentimento pela inteligência, mas tão-somente pelo simples estilo. Outro passo na mesma escala de despersonalização, ou seja de imaginação, e temos o poeta que em cada um dos seus estados mentais vários se integra de tal modo nele que de todo se despersonaliza, de sorte que, vivendo analiticamente esse estado da alma, faz dele como que a expressão de um outro personagem, e, sendo assim, o mesmo estilo tende a variar. Dê-se o passo final, e teremos um poeta que sela vários poetas, um poeta dramático escrevendo em poesia lírica. Cada grupo de estados de alma mais aproximados insensivelmente se tornará uma personagem, com estilo próprio, com sentimentos porventura diferentes, até opostos, aos típicos do poeta na sua pessoa viva. E assim se terá levado a poesia lírica - ou qualquer forma literária análoga em sita substância à poesia lírica - até à poesia dramática, se todavia se lhe dar a forma de drama, nem explícita nem implicitamente.

Suponhamos que um supremo despersonalizado, como Shakespeare, em vez de criar o personagem de Hamlet como parte de um drama, o criava como simples personagem, sem drama. Teria escrito, por assim dizer, um drama de uma só personagem, um monólogo prolongado e analítico. Não seria legítimo ir buscar a esse personagem uma definição dos sentimentos e dos pensamentos de Shakespeare, a não ser que o personagem fosse falhado, porque o mau dramaturgo é o que se revela.

Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e ideias, os escreveria.

Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.

Um exemplo: escrevi com sobressalto e repugnância o poema oitavo do “Guardador de Rebanhos”, com a sua blasfémia infantil e o seu antiespiritualismo absoluto. Na minha pessoa própria, e aparentemente real, com que vivo social e objectivamente, nem uso da blasfémia, nem sou antiespiritualista. Alberto Caeiro, porém, como eu o concebi, é assim: assim tem pois ele que escrever, quer eu queira, quer não, quer eu pense como ele ou não. Negar-me o direito de fazer isto seria o mesmo que negar a Shakespeare o direito de dar expressão à alma de Lady Macbeth, com o fundamento de que ele, poeta, nem era mulher, nem, que se saiba, histero-epiléptico, ou de lhe atribuir uma tendência alucinatória e uma ambição que não recua perante o crime. Se assim é das personagens fictícias de um drama, é igualmente lícito das personagens fictícias sem drama, pois que é lícito porque elas são fictícias e não porque estão num drama.

Parece escusado explicar uma coisa de si tão simples e intuitivamente compreensível. Sucede, porém, que a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável.”

Poemas de Alberto Caeiro

A introdução que segue é um apontamento solto de Ricardo Reis, publicado, pela primeira vez, na primeira edição da Obra Poética de Fernando Pessoa, RJ, Aguilar, 1960.

Introdução

“Nestes poemas aparentemente tão símplices, o crítico, se se dispõe a uma análise cuidada, hora a hora se encontra defronte de elementos cada vez mais inesperados, cada vez mais complexos. Tomando por axiomático aquilo que, desde logo, o impressiona, a naturalidade e espontaneidade dos poemas de Caeiro, pasma de verificar que eles são, ao mesmo tempo, rigorosamente unificados por um pensamento filosófico que não só os coordena e concatena, mas que ainda mais prev6e defeitos por uma integração deles na substância espiritual da obra. Assim, dando-se Caeiro por um poeta objetivo, como é, nós encontramo-lo, em quatro das suas canções, exprimindo impressões inteiramente subjetivas. Mas não temos a satisfação cruel de poder supor-nos a indicar-lhe que errou. No poema que imediatamente precede essas canções, ele explica que elas foram escritas durante uma doença, e que, portanto, t6em por força que ser diferentes dos seus poemas normais, por isso que a doença não é a saúde.

E assim o crítico não chegue a conduzir aos lábios a taça da sua satisfação cruel. Se quiser Ter a alegria, um pouco menos concreta, de apontar outros pecados contra a teoria íntima da obra toda, vê-se confrontado por poemas como… e o …, onde a sua objeção já está feita, e a sua questão respondida.

Só quem pacientemente, e com o espírito pronto, ler esta obra pode avaliar o que esta previsão, esta coer6encia intelectual (mais ainda do que sentimental) tem de desconcertante.

Tudo isto, porém, é verdadeiramente o espírito pagão. Aquela ordem e disciplina que o paganismotinha, e o cristismo nos fez perder, aquela inteligência raciocinada das coisas, que era seu apanágio e não é nosso, está ali. Porque, se fala na forma aqui está a essência. E não é forma exterior do paganismo- repito - que Caeiro veio reconstruir; é a essência que chamou do Averno, como Orfeu a Eurídice, pela magia harmônica (melódica) da sua emoção.

Quais são, para meu critério, os defeitos desta obra? Dois só, e eles pouco empanam o seu fulgor irmão dos deuses.

Falta, nos poemas de Caeiro, aquilo que devia completá-los: a disciplina exterior, pela qual a força tomasse a coerência e a ordem que reina no íntimo da Obra. Ele escolheu, como se ve, um verso que embora fortemente pessoal - como não podia deixar de ser -, e ainda o verso livre dos modernos.

Não subordinou a expressão a uma disciplina comparável àquela a que subordinou quase sempre a emoção e sempre, a idéia. Perdoa-se-lhe a falta, porque aos inovadores muito se perdoa; mas não se pode omitir que seja uma falta, e não uma distinção.

Semelhantemente, a emoção enferma ainda um pouco do meio cristão em que surgiu para este mundo a alma do poeta. A idéia, sempre essencialmente pagã, usa por vezes um traje emotivo que não lhe é adequado. Em “O Guardador de Rebanhos“ há um aperfeiçoamento gradual neste sentido: os poemas finais - e sobretudo os quatro ou cinco que precedem os dois últimos - são de uma perfeita unidade idéia-emotiva. Eu perdoaria ao poeta que ele houvesse assim permanecido ainda escravo de certos apetrechos sentimentais da mentalidade cristista, se ele nunca, até ao fim da obra, se conseguisse libertar deles. Mas se, a dada altura da sua evolução poética, ele o fez, culpo-o, e severamente o culpo (como severamente, em pessoa, o culpei) de são voltar aos seus poemas anteriores, ajustando-os à sua disciplina adquirida, e, se alguns a essa disciplina se não sujeitassem, riscando-os inteiramente. Mas a coragem de sacrifica o que se fez é a que mais escasseia ao poeta. Tão mais difícil é refazer que fazer a primeira vez. Verdadeiramente, ao invés do que diz o prolóquio gálico, é o último passo o que mais custa.

Assim eu acho …º poema, tão irritantemente enternecedor para um cristão, absolutamente deplorável para um poeta objetivo, para um reconstrutor da essência do paganismo. Nesse poema desce-se às últimas baixezas do subjetivismo cristista, indo até àquela mistura do objetivo com o subjetivo que é o distintivo doentio dos mais doentios dos modernos (desde certos pontos da obra intolerável do infeliz chamado Victor Hugo até à quase totalidade da magma amorfa que faz às vezes de poesia entre os nosso contemporâneos místicos).

Exagero, porventura, e abuso. Tendo aproveitado a ressurreição do paganismo que Caeiro conseguiu, e tendo como todos os aproveitadores conseguido a fácil arte secundária de aperfeiçoar, é talvez ingrato que me revolte contra os defeitos inerentes à inovação com que aproveitei. Mas, se os acho defeitos, tenho, embora os desculpe, que os apelidar de tais, Magis amica veritas.”

Odes De Ricardo Reis

A nota preliminar que segue é um apontamento solto de Álvaro de Campos publicado, pela primeira vez, na primeira edição da Obra Poética de Fernando Pessoa, RJ, Aguilar, 1960.

“O nosso Ricardo Reis teve uma inspiração feliz se é que ele usa inspiração, pelo menos por fora das explicações, quando reduziu a seis linhas a sua arte poética:
Não a arte poética, mas a sua. Que ele ponha na mente activa o esforço só da «altura» (seja isso o que for), concedo, se bem que me pareça estreita uma poesia limitada ao pouco espaço que é próprio dos píncaros. Mas a relação entre a altura e os versos de um certo número de sílabas é-me mais velada. E, é curioso, o poema, salvo a história da altura, que é pessoal, e por isso fica com o Reis, que aliás a guarda para si, é cheio de verdade:

Que quando é alto e régio o pensamento,
Súbdita a frase o busca
E o escravo ritmo o serve.


Ressalvando que pensamento deve ser emoção, e, outra vez, a tal altura, é certo que, concebida fortemente a emoção, a frase que a define espontaneíza-se, e o ritmo que a traduz surge pela frase fora. Não concebo, porém, que as emoções, nem mesmo as do Reis, sejam universalmente obrigadas a odes sáficas, ou alcaicas, e que o Reis, quer diga a um rapaz que lhe não fuja, quer diga que tem pena de ter que morrer, o tenha forçosamente que fazer em frases súbditas que por duas vezes são mais compridas e por duas vezes mais curtas, e em ritmos escravos que não podem acompanhar as frases súbditas senão em dez sílabas para as duas primeiras, e em seis sílabas as duas segundas, num graduar de passo desconcertante para a emoção.
Não censuro o Reis mais que a outro qualquer poeta. Aprecio-o, realmente, e para falar verdade, acima de muitos, de muitíssimos. A sua inspiração é estreita e densa, o seu pensamento compactamente sóbrio, a sua emoção real se bem que demasiadamente virada para o ponto cardeal chamado Ricardo Reis. Mas é um grande poeta - aqui o admiro - , se é que há grandes poetas neste mundo fora do silêncio de seus próprios corações.”

Poesias de Álvaro de Campos

A nota preliminar que segue é um apontamento solto de Ricardo Reis publicado, pela primeira vez, na primeira edição da Obra Poética de Fernando Pessoa, RJ, Aguilar, 1960.

Nota Preliminar

Um poema é a projeção de uma idéia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão-somente o meio de que a idéia se serve para se reduzir a palavras.
Não vejo, entre a poesia e a prosa, a diferença fundamental, peculiar da própria disposição da mente, que Campos estabelece. Desde que se usa de palavras, usa-se de um instrumento ao mesmo tempo emotivo e intelectual. A palavra contém uma idéia e uma emoção. Por isso não há prosa, nem a mais rigidamente científica, que não ressume qualquer suco emotivo. Por isso não há exclamação, nem a mais abstratamente emotiva, que não implique, ao menos, o esboço de uma idéia.
Poderá alegar-se, por exemplo, que a exclamação pura - “Ah “, digamos - não contém elemento algum intelectual. Mas não existe um “ah “, assim escrito isoladamente, sem relação com qualquer coisa de anterior. Ou consideramos o “ah ” como falado e no tom da voz vai o sentimento que o anima, e portanto a idéia ligada à definição desse sentimento; ou o “ah ” responde a qualquer frase, ou por ela se forma, e manifesta uma idéia que essa frase provocou.
Em tudo que se diz - poesia ou prosa - há idéia e emoção. A poesia difere da prosa apenas em que escolhe um novo meio exterior, além da palavra, para projetar a idéia em palavras através da emoção. Esse meio é o ritmo, a rima, a estrofe; ou todas, ou duas, ou uma só. Porém meno que uma só não creio que possa ser.
A idéia, ao servir-se da emoção para se exprimir em palavras, contorna e define essa emoção, e o ritmo, ou a rima, ou a estrofe, são a projeção desse contorno, a afirmação da idéia através de uma emoção, que, se a idéia a não contornasse, se extravasaria e perderia a própria capacidade de expressão.
É o que, em meu entender, sucede nos poemas de Campos. São um extravasar de emoção. A idéia serve a emoção, não a domina. E o homem - poeta ou não poeta - em quem a emoção domina a inteligência recua a feição do seu ser a estádios anteriores da evolução, em que as faculdades de inibição dormiam ainda no embrião da mente. Não pode ser que arte, que é um produto da cultura, ou seja do desenvolvimento supremo da consciência que o homem tem de si mesmo, seja tanto mais superior, quanto maior for a sua semelhança com as manifestações mentais que distinguem os estados inferiores da evolução cerebral.
A poesia é superior à prosa porque exprime, não um grau superior de emoção, mas, por contra, um grau superior do domínio dela, a subordinação do tumulto em que a emoção naturalmente se exprimiria (como verdadeiramente diz Campos) ao ritmo, à rima, à estrofe.
Como o estado mental, em que a poesia se forma, é, deveras, mais emotivo que aquele em que naturalmente se forma a prosa, há mister que ao estado poético se aplique uma disciplina mais dura que aquela [que] se emprega no estado prosaico da mente. E esses artifícios - o ritmo, a rima, a estrofe - são instrumentos de tal disciplina.
No sentido em que Campos diz que são artifícios o ritmo, a rima e a estrofe, se pode dizer que são artifícios: a vontade que corrige defeitos, a ordem que policia sociedades, a civilização que reduz os egoísmos à forma sociável.
Na prosa mais propriamente prosa - a prosa científica ou filosófica -, a que exprime diretamente idéias e só idéias, não há mister de grande disciplina, pois na própria circunstância de ser só de idéias vai disciplina bastante. Na prosa mais largamente emotiva, como a que distingue a oratória, ou tem feição descritiva, há que atender mais ao ritmo, à disposição, à organização das idéias, pois essas são ali em menor número, nem formam o fundamento da matéria. Na prosa amplamente emotiva - aquela cujos sentimentos poderiam com igual facilidade ser expostos em poesia - há que atender mais que nunca à disposição da matéria, e ao ritmo que acompanhe a exposição. Esse ritmo não é definido, como o é no verso, porque a prosa não é verso. O que verdadeiramente Campos faz, quando escreve em verso, é escrever prosa ritmada com pausas maiores marcadas em certos pontos, para fins rítmicos, e esses pontos de pausa maior, determina-os ele pelos fins dos versos. Campos é um grande prosador, um prosador com uma grande ciência do ritmo; mas o ritmo de que tem ciência, é o ritmo da prosa, e a prosa de que se serve é aquela em que se introduziu, além dos vulgares sinais de pontuação, uma pausa maior e especial, que Campos, como os seus pares anteriores e semelhantes, determinou representar graficamente pela linha quebrada no fim, pela linha disposta como o que se chama um verso. Se Campos, em vez de fazer tal, inventasse um sinal novo de pontuação - digamos o traço vertical ( | ) - para determinar esta ordem de pausa, ficando nós sabendo que ali se pausava com o mesmo gênero de pausa com que se pausa no fim de um verso, não faria obra diferente, nem estabeleceria a confusão que estabeleceu.
A disciplina é natural ou artificial, espontânea ou refletida. O que distingue a arte clássica, propriamente dita, a dos gregos e até dos romanos, da arte pseudoclássica, como a dos franceses em seus séculos de fixação, é que a disciplina de uma está nas mesmas emoções, com uma harmonia natural da alma, que naturalmente repele o excessivo, ainda ao senti-lo; e a disciplina da outra está em uma deliberação da mente de não se deixar sentir para cima de certo nível. A arte pseudoclássica é fria porque é uma regra; a clássica tem emoção porque é uma harmonia.
Quase se conclui do que diz Campos, de que o poeta vulgar sente espontaneamente com a largueza que naturalmente projetaria em versos como os que ele escreve; e depois, refletindo, sujeita essa emoção a cortes e retoques e outras mutilações ou alterações, em obediência a uma regra exterior. Nenhum homem foi alguma vez poeta assim. A disciplina do ritmo é aprendida até ficar sendo uma parte da alma: o verso que a emoção produz nasce já subordinado a essa disciplina. Uma emoção naturalmente harmônica é uma emoção naturalmente ordenada; uma emoção naturalmente ordenada é uma emoção naturalmente traduzida num ritmo ordenado, pois a emoção dá o ritmo e a ordem que há nela, a ordem que no ritmo há.
Na palavra, a inteligência dá a frase, a emoção o ritmo. Quando o pensamento do poeta é alto, isto é, formado de uma idéia que produz uma emoção, esse pensamento, já de si harmônico pela junção equilibrada de idéia e emoção, e pela nobreza de ambas, transmite esse equilíbrio de emoção e de sentimento à frase e ao ritmo, e assim, como disse, a frase, súdita do pensamento que a define, busca-o, e o ritmo, escravo da emoção que esse pensamento agregou a si, o serve.